A mudança de chef e a nova abordagem no décor do Largo do Paço, o restaurante com uma estrela Michelin da Casa da Calçada, em Amarante, suscitam, em crescendo, a curiosidade de apreciadores de uma gastronomia exaltada pela trilogia composta por apresentação, cores e, sobretudo, sabores portugueses, e pela criatividade reconhecida a André Silva.
Os damascos, as sedas e os veludos, os quadros com molduras de talha dourada entre outras peças de decoração clássicas, ditam o requinte da renovada sala do Largo do Paço, convertendo o restaurante da Casa da Calçada num espaço rendido a uma combinação luxuriante com os tons eleitos por Isabel Rente, a decoradora portuense que assinou o projeto de design e decoração de tão elegante espaço.
André Silva é o chef do Largo do Paço desde julho de 2015
Porém, as mudanças não ficaram por aqui. Sucessor do chef Vítor Matos, André Silva é, desde julho de 2015, chef executivo do Largo do Paço e, em outubro do mesmo ano, apresentou a primeira carta com o seu cunho: “Há uma mudança notória na cozinha, mas temos sempre influências, afinal, trabalhei com o chef Vítor durante dez anos.”
Eis as boas vindas: Espumante Quinta da Calçada Colheita Imperial feito a partir das castas Alvarinho e Arinto.
Nabo de bacalhau e petinga alimada com as ovas de petinga e coulis de pimentos
E a primeira saudação do chef, a qual revelou, desde logo, a criatividade de André Silva. Falamos da petinga alimada com as ovas de petinga e coulis de pimentos, para degustar com o molho de sésamo que se encontra dentro da bisnaga. Uma explosão de sabores que combinou na perfeição na boca, conquistando o palato à primeira. A acompanhar estiveram os nabos com sabor a bacalhau, “uma brincadeira por o nabo ser um produto daqui do norte”, a qual não passou despercebida nem a miúdos nem a graúdos.
O segundo take das saudações revelou-se memorável com o creme de ouriço e pontilha recheada com carabineiro e caviar, lingueirão, perceves e ovas de truta.
O hambúrguer de vitela foi a arrojada surpresa da noite
Passemos ao inesperado hambúrguer de vitela com foie gras e batata vitelotte (de cor violeta), que se revelou numa boa surpresa.
À medida quem o repasto flui à mesa, é visível a criatividade de André Silva, a qual causa surpresa a quem está à mesa, mas sem descurar o sabor genuíno de cada produto em cada prato. “Há bastantes produtos portugueses”, reforçou o chef em conversa, atribuindo superlativa importância no peixe e no marisco, mostrando “ao cliente que trabalhamos ao máximo a qualidade e a frescura”, além de que “tentamos manter o equilíbrio no prato, no menu e ao longo da carta”.
Servido o couvert, composto pela escolha moderada entre seis tipos de pães diferentes, pelo azeite oriundo de Trás-os-Montes e a manteiga de caviar e arenque, Adácio Ribeiro, escanção e estaurant manager, sugeriu o Soalheiro Alvarinho Primeiras Vinhas branco 2014, um vinho feito a partir da casta Alvarinho de Monção e Melgaço, a sub-região da Região dos Vinhos Verdes, para dar início ao repasto composto por pratos do menu Largo da Calçada (de oito pratos) e do menu Prestige (de onze pratos).
O lagostim e o atum numa ode à cozinha asiática
Na entrada, o protagonismo foi dado aos lagostins da nossa costa e ao atum com bagas goji, molho teriyaki, daikon melancia, enoki dourado. Um prato do menu Largo do Paço, o qual reflete a cozinha asiática e uma conquista absoluta do palato, tendo a harmonização saído perfeita.
O prato de bacalhau refletiu também a criatividade de André Silva
Seguiu-se o melhor prato da noite: Bacalhau e as suas ovas, salsa, azeitona preta, coulis de pimentos, grão-de-bico, tosta de broa de milho e o muito bem conseguido gelado de cebola (do menu Largo do Paço), que aqui marcou a diferença, graças não só à criatividade do chef, mas também à sua interpretação de um prato muito português, reflexo que entra no alinhamento da carta do restaurante da Casa da Calçada e, “ao trabalharmos bem a cozinha portuguesa, conseguimos surpreender o cliente, até porque a cozinha portuguesa é uma maiores mostras que temos para oferecer cá dentro e para passar para fora”, além disso, “eu sei que é muito mais fácil trabalhar um produto nobre do que um bacalhau, por exemplo, e este foi dos que me deu mais dor de cabeça, mas também foi o que teve mais impacto”, sublinhou o chef.
Por sua vez, Adácio Ribeiro optou por um Quinta da Calçada edição Terroir 2014, feito a partir de Alvarinho de Amarante, Loureiro e Azal, casta nativa das sub-regiões de Penafiel, Amarante e Basto, na Região dos Vinhos Verdes.
Rodovalho e lula gigante, jus de vitela e emulsão de funcho (do menu de degustação Largo do Paço) foi outro dos pratos que comprovou a aposta de André Silva nos produtos oriundos do mar e uma boa ligação de sabores servidos a par de um Niepoort Tiara branco 2014, um duriense feitos a partir de castas de vinhas velhas.
O sabor a mar ficou marcado no colorido e bem conseguido prato de polvo e batata doce
Ao suculento polvo e à gulosa batata doce juntou-se a emulsão de ouriço-do-mar, os cogumelos rainha e a ervilha lágrima (do menu Prestige) num prato com um intenso sabor a mar que conquistou logo o palato e sobre o qual o chef declarou: “O polvo que é, habitualmente, mal amado tem sido muito bem aceite aqui, no Largo do Paço.”
De Baco, a eleição de um Buçaco Reservado branco 2013, do produtor Alexandre D’Almeida Hotel’s e da região da Bairrada e do Dão, foi de trus.
A vitela de leite e os mexilhões fizeram justiça à combinação entre terra e mar
Seguiu-se o prato composto – e muito bem – por produtos da terra e do mar: Vitela de leite e os mexilhões com alcachofras, pasta fresca, alho, tomate cherry e molho de vinho tinto (do menu Prestige). Para esta composição, Adácio Ribeiro escolheu um vetusto e mui apreciado Quinta do Monte d’Oiro Têmpera tinto 2001, feito a partir da casta Tinta Roriz.
A refrescante sobremesa que é, por si só, uma rima de verão
Os citrinos e a cenoura, do menu Largo do Paço, foi a primeira sobremesa a ir à mesa, desta feita, na companhia da bergamota, do caviar cítrico, da toranja, do limão e do kumquat. Uma sinfonia de sabores perfeitos e refrescantes entre o ácido e o doce a recordar as tardes de verão.
Na ligação de Baco, Adácio Ribeiro sugeriu um vinho oriundo da Hungria, o Royal Tokaji 5 Puttonyos Asxú 2009, que fez jus aos citrinos que protagonizaram a sobremesa.
O arte de azulejar num casamento harmonioso com os memoráveis papos de anjo
A rematar, André Silva sugeriu a composição gulosa e deleitosa do menu Largo do Paço, os papos de anjo recheados com queijo da serra e acompanhados por marmelo, gelado de Vinho do Porto, creme de abóbora e esferificação de abóbora, creme de ovo, e pó de pinhão e pinhão confitado, servida num “prato” formado por quatro azulejos, “para dar a conhecer a arte da azulejaria portuguesa”, concluiu o chef, que não é apologista da total mudança da carta: “O objetivo é ter uma carta transformável, mais flexível.” Por essa razão, explicou que irá alterar alguns pratos e substituir outros na carta de primavera que está a ser trabalhada com afinco, sendo “o alinhamento da cozinha uma cozinha de descoberta”.
Porém, a ligação dos bastidores com a elegante sala do Largo do Paço não fica por aqui, pois pode ver-se André Silva (leia aqui a entrevista ao chef para a Mutante, em 2014) e outros cozinheiros a servirem os petit fours ou concluírem o empratamento à mesa.
Antes de se fazer à estrada, até porque vale a pena a viagem, convém reservar mesa através do 255 410 830 ou de book@largodopaco.com.
Bom apetite! •
+ Largo do Paço
© Fotografia: João Pedro Rato
+ Agradecemos à DS o apoio na realização da viagem
Legenda da foto de entrada: Creme de ouriço e pontilha recheada com carabineiro e caviar
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