“Por muito que a cozinha evolua, as bases estão sempre lá” / André Silva

Inicia o roteiro pelas mesas aos 15 anos, frequenta o curso de Técnico de Cozinha e Pastelaria, da Escola Profissional Infante D. Henrique, no Porto, e entra no mundo da cozinha. Um percurso ditado pela aprendizagem e pela dedicação constante à cozinha, do qual oito anos são passados ao lado de Vítor Matos, o chef do Largo do Paço, na Casa da Calçada, onde é sub-chef desde 2009. Falamos de André Silva, de 29 anos, eleito, em 2013, o Chef Cozinheiro do Ano.

Ser o Chef Cozinheiro do Ano de 2013 foi uma surpresa para André Silva?
É um concurso composto por três fases – a primeira, que consiste na eleição de 16 candidatos; a segunda, que diz respeito às regionais (norte, centro, sul e ilhas), na qual são selecionados oito; e a final, que termina com a eleição do vencedor. O Chef Cozinheiro do Ano, que faz 25 anos este ano, põe à prova o trabalho de cada um, a sua maneira de ser perante o júri que, este ano, teve foi de peso. Ao contrário do que pensava, num concurso não há competição entre os concorrentes, por isso senti-me muito bem quando ganhei a distinção, porque é um reconhecimento do nosso trabalho, ou seja, demarcamo-nos ou acentuamo-nos de uma forma diferente em relação aos outros.

Um dos prémios é um estágio com o chef Alex Atala, no DOM, em São Paulo…
Ainda não se realizou, porque tenho de conciliar o meu trabalho na Casa da Calçada com o chef Vítor Matos e, como estamos num ano cheio de trabalho – e ainda bem –, temos de conjugar tudo muito bem.

Contudo esta não foi a primeira vez que ganha um concurso. Já tinha conquistado o primeiro lugar no concurso da Revolta do Bacalhau, na edição de 2010 e, em 2007, com a distinguido do troféu Nobre Jovem. Podemos apontar para uma evolução no percurso profissional de André Silva?
A primeira vez que participei num concurso foi em 2007, no famoso Nobre Jovem que, na altura, era o concurso mais famoso para jovens cozinheiros, em que um dos requisitos era ter menos de 25 anos, além de que terminou no ano em que ganhei. O Chef Cozinheiro do Ano já exige uma experiência de cinco anos. Há quem diga que, sendo o sub-chef da Casa da Calçada, com uma Estrela Michelin, que tem o melhor restaurante da Europa, entre outros prémios, ‘será vantajoso concorrer a este tipo de concursos?’ Bem ou mal, uma pessoa acaba sempre por se expor, mas do que eu gosto é da adrenalina dos concursos, o que acaba por comprovar isso mesmo: uma evolução constante.

Cavala na brasa e Sabores inesperados, dois dos pratos que André Silva apresentou no concurso Chef Cozinheiro do Ano 2013

Pertencer à equipa do Largo do Paço é o desfecho mais apetecível para André Silva?
Já no tempo em que frequentava o curso [Técnico de Cozinha e Pastelaria, da Escola Profissional Infante D. Henrique, no Porto] a Casa da Calçada era uma das mais conceituadas na hotelaria em Portugal. O mais curioso é que, precisamente naquela ponte, numas férias de verão, estava eu a passar com a minha esposa e, por acaso, o comentário que fiz foi ‘amanhã venho trabalhar para esta casa’. Longe de mim imaginar que viria a ser o sub-chef do Largo do Paço. Quando venho para cá, venho com o chef Vítor Matos, com quem trabalho há oito anos – desde 2004 –, que vem do Tiara [Park Atlantic Porto]. É ele quem me faz o convite para vir trabalhar para a Casa da Calçada.

Desempenhar a função de sub-chef de um restaurante com uma Estrela Michelin é uma grande responsabilidade. Qual é a receita?
A parte boa da cozinha é o conhecimento que vamos adquirindo, a satisfação que vimos no rosto dos nossos clientes, é a felicidade quando somos chamados à mesa, porque nos querem conhecer ou pedem para falar connosco na cozinha… Para tudo isto é preciso uma dedicação constante, uma adrenalina e o gosto por aquilo que se faz.

“Conseguimos ser muito mais depressa distinguidos por quem vem de fora do que pelos de cá”

Para reunir os ingredientes na dose certa, o Largo do Paço é considerado o Melhor Restaurante da Europa pelo European 50 Best Restaurants. O que fazem nos bastidores para conseguirem alcançar tamanha proeza?
Todos os prémios, até mesmo o facto de um cliente nos chamar à sala ou de querer ir à cozinha, são um reconhecimento. Mas, em Portugal, conseguimos ser muito mais depressa distinguidos por quem vem de fora do que pelos de cá, o que é mau, porque não temos “cultura” para preservar ou elogiar o que é nosso. Lá fora tentamos mostrar que somos melhor do que os outros; internamente somos incapazes de nos elogiar, engrandecer uns aos outros. Vimos Espanha que deu um grande salto, os chefs acabaram por se unir e deixar a sua marca na gastronomia mundial, mas nós não conseguimos fazer isso.

Abade de Priscos e Morangos do Brejão no seu melhor, com ruibarbo e financier, assinados por André Silva no concurso Chef Cozinheiro do Ano 2013

Aposta na união dos chefs, para que a gastronomia portuguesa desse um salto e fosse reconhecida no mundo?
Sem dúvida. Temos poucos restaurantes com Estrela Michelin. Vamos a um restaurante com duas ou três estrelas Michelin em Espanha e, quando chegamos cá, com o que fazemos na cozinha, sentimo-nos mal só com uma, pois temos capacidade para termos mais restaurantes com Estrelas Michelin. E o facto de termos uma não implica que tenhamos preços elevados, porque em Espanha, e isto numa conversa com um chef de um restaurante do país vizinho, há clientes que juntam dinheiro um ano inteiro para, numa data especial, irem ao restaurante. Ou seja, há uma cultura e um dinamismo naquele país que cá não existe. Estamos a meia hora do Porto, mas muitos continuam a pensar que Amarante está a muitos quilómetros do Porto e há quem prefira estar uma hora numa fila para ir a um restaurante dentro da cidade do que vir a Amarante. Os franceses, pelo contrário, são capazes de fazer 200 quilómetros para comer e outro tanto no regresso a casa. Porque vale a pena. Todos nós temos paladar e basta pensar que há ocasiões em que estar à mesa não é só para se alimentar, mas sim para desfrutar, aproveitar, passar um bom momento.

“Ainda há muito para eu aprender e se tenho feito conquistas é graças ao apoio do chef Vítor Matos”

Do que precisa um sub-chef para aprender, para investir no conhecimento?
Muita paciência e dedicação. Ser sub-chef não é fácil. Acabamos por ser uma espécie de “funil”, uma ligação entre o chef e a brigada, e vice-versa. É um lugar ingrato, no sentido de que muitos são os que pensam que o sub-chef vai “assaltar” o lugar do chef de cozinha. Não pretendo fazê-lo. Ainda há muito para eu aprender e se tenho feito conquistas é graças ao apoio do chef Vítor Matos.

Gostaria, contudo de, um dia, ser o chef.
Estou numa fase em que não vejo isso como um objetivo. Vejo que irá acabar por acontecer naturalmente. Para poder sair da Casa da Calçada, teria de ter uma proposta que não fosse “buscar” o nome de chef; teria de ser uma proposta que me levasse a aprender mais, a dedicar-me mais, que me desse condições para continuar a lutar por mais e melhor, sem ir ao encontro da famosa teoria de sair daqui para ser chef.

Para sê-lo…
… é preciso sabedoria, é preciso errar muito, é preciso ter experiência, é preciso cair e levantar muitas vezes para ser um chef. Porque ser chef muitos acabam por sê-lo. Muitas vezes, acabam o curso e passado um ou dois anos são chefs. Quais são as bases, as experiências, a sabedoria que têm para serem chefs? Uma cozinha é muito mais abrangente do que, simplesmente, saber cozinhar. E uma chefia ainda é mais do que isso, é liderar, é gerir…

“Estamos a ver que muita coisa que se fazia há dez ou 15 anos está a voltar, porque valem a pena”

A Rota das Estrelas, que se repete este ano no Largo do paço, a 17 e 18 de outubro, é uma mais valia na partilha de conhecimento entre chefs. O que acontece nos bastidores até à entrada em cena dos pratos na mesa?
Dois ou três dias de Rota das Estrelas, se calhar, compensa-nos muito mais do que sermos chefs numa casa o ano inteiro. No que respeita a sabedoria, a oportunidade, de convívio… São dois dias em que tudo é levado ao nível mais elevado, em que conhecemos chefs que, de outro modo, não iríamos ter o privilégio e o gosto de conhecer. Esses detalhes compensam os esforços que fazemos. A Rota das Estrelas é uma explosão de nervos constante, são três ou quatro dias sem dormir rigorosamente ou quase nada, mas é fantástico! Acabamos por ter opiniões de chefs em relação ao nosso trabalho, por aprender técnicas que, às vezes, não consideramos as melhores, mas que, ao vermos a serem feitas dizemos ‘afinal, o que eu faço está mal feito’. O diálogo com os chefs ajuda-nos a abrir os horizontes. Além de que nos apercebemos das diferenças: os chefs franceses continuam muito agarrados à ideologia da cozinha francesa, enquanto os espanhóis têm uma atitude completamente diferente. É fantástico podermos ver o que a cozinha era, é e vai ser, porque a cozinha é de modas. Damos dois passos para a frente e, depois, damos quatro para trás para irmos buscar as bases, porque por muito que a cozinha evolua, as bases estão sempre lá. Estamos a ver que muita coisa que se fazia há dez ou 15 anos está a voltar, porque valem a pena.

Viajar…
Tenta-se. Em tempos não ia o Vítor Matos, ia o André. Agora é mais difícil. Vai o Vítor Matos (ler entrevista) e fica cá o André, com muita pena minha, sobretudo porque gosto muito de gastronomia, pois quando viajamos acabamos sempre por provar a comida local. Quando vamos a um país devemos experimentar coisas novas, porque a cozinha é feita de sabores, de memórias, de cores. Como acontece no filme “Ratatouille”, que retrata exatamente o que é a cozinha: os sabores. Quando provamos uma coisa, e se já a provámos na nossa infância, há um despertar de emoções, porque são sabores que ficam. •

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© Fotografia: João Pedro Rato com Canon EOS 60D