Portugal vs. Angola: Quando o duelo gastronómico é uma partilha de saber

A noite de 16 de Maio foi marcada pela estreia do chef David Jesus num frente-a-frente do restaurante Bastardo, no Internacional Design Hotel, com o chef Paulo Soares, da Casa de Angola, ambos em Lisboa.

A versão do bacalhau à Zé do Pipo do chef David Jesus

Sala cheia e animada com música angolana, à qual corpos presentes se deixam seduzir em movimentos subtis, quase tímidos, na companhia de uma flute de champanhe ou da tradicional Cuca, a cerveja angolana, até ao momento em que a romaria para os respectivos lugares começa a fazer-se sentir.

Já sentados, a curiosidade remete muitos para o menu de degustação com um alinhamento exclusivo para aquela noite. Afinal, é a primeira vez que a cozinha de Angola se debate à mesa do Bastardo a somar à estreia de David Jesus, no lugar de chef do restaurante do Internacional Design Hotel, num duelo gastronómico dando, por sua vez, primazia à cozinha de dentro de portas.

Composto por quatro momentos – ou rounds –, o duelo inicia com um croquete de abóbora com coentros e lima de David Jesus, e sumo picante de múcua (ou mukua, o fruto do embondeiro) para limpar o palato do picante usado em dose q.b.. Já o chef angolano apresentou camarão e kiabo (ou quiabo, é um fruto longo, de forma cilíndrica e cor esverdeada) servido com pedaços de pão torrado.

Segundo momento, segundo prato de David Jesus: “Uma sopa de peixe bem portuguesa com hortelã da ribeira é sempre um prato ganhador e que eu adoro.” Melhor ainda, uma sopa de peixe de ir aos céus, com pevides, alga e hortelã da ribeira na sua composição. Paulo Soares escolheu o feijão com óleo de palma e banana desidratada neste frente-a-frente.

A muamba de galinha pelo chef Paulo Soares estava de truz!

No terceiro round houve empate. O chef lisboeta preparou um bacalhau à Zé do Pipo “diferente, com todos os elementos da receita presentes mas em diferentes texturas” – puré de batata, azeitona verde e azeite de trufa, maionese e lâminas de alho e pickles de rábano, e um sabor muito familiar. Paulo Soares superou com a muamba de galinha picante q.b..

À sobremesa, o chef David Jesus esmerou-se com a sua interpretação do célebre pudim Abade de Priscos, enquanto o angolano Paulo Soares entreteu o palato dos presentes com a paracuca de amendoim, aperitivo doce típico da cozinha angolana, com o qual houve quem acompanhasse com o Black Temptation (café expresso, xarope de canela e cerveja stout), o cocktail digestivo que Zumit, o bartender de nacionalidade nepalesa do Bastardo, recomendou para o fim do repasto – outros houve para iniciar e acompanhar o jantar, como o Aperol Spirits (Aperol, espumante e soda) e o Lua Lx (sumo de ananás, gelado de baunilha, xarope de açúcar, vinho branco e cerveja Cuca), inspirado no aperitivo peruano Pisco Sauer, trio esse criado para este duelo entre Portugal vs. Angola à mesa.

Resultado? Apesar de Paulo Soares mostrar uma cozinha mais genuína na apresentação, David Jesus primou pelo sabor e por uma apresentação criativa, dois registos que caracterizam o seu trabalho.

Veredictos à parte, segundo o jovem chef lisboeta, “estes eventos são importantes para podermos oferecer mais variedade gastronómica aos nossos clientes e servem internamente para motivar a equipa a ‘sair fora da caixa’, porque temos de pensar noutros pratos e, ao mesmo tempo, podemos reinventar clássicos portugueses”. Além disso, David Jesus sublinhou: “Foi interessante cozinhar com kiabos, farinha de pau, mandioca, óleo de palma, entre outros produtos e, pessoalmente, perceber onde os podemos comprar em Lisboa procurando, acima de tudo, a qualidade dos mesmos.” Exercício feito em conjunto, já que ambos os chefs foram ao mercado da Ribeira e de Benfica, para comprar os ingredientes.

Assim, depois do Japão, do Brasil, da Itália, de França, da China e do México, foi a vez que contactar a Casa de Angola, no n.º 7, da Travessa da Fábrica das Sedas, no Rato, em Lisboa, por ocasião do Dia de África, celebrado a 25 de Maio, data em que se criou a Organização da Unidade Africana, em 1963, na Etiópia, com a finalidade de defender e emancipar o continente africano.

Por outro lado, “estes eventos servem como testes para afinar o menu degustação que queremos implementar no restaurante”, o qual se traduz na prova de cinco pratos dos vários que compõem a carta do Bastardo. Para o efeito, há a necessidade de “afinar as equipas, receitas e quantidades, para podermos apresentar uma boa experiência gastronómica aos nossos clientes”, revelou.

A respeito do próximo duelo, um frente-a-frente com a Austrália, David Jesus falou sobre uma cultura cuja cozinha é de fusão, com várias influências – “sinto que vai ser um desafio ainda maior combinar a nossa gastronomia com a deles” e que “vai exigir mais pesquisa, certamente, mas certamente que será mais um excelente combate em que vamos fazer por ‘agradar a gregos e troianos’ como diz Alexandre Martins, o nosso CEO”, rematou.

Que venha o próximo duelo! •

+ Restaurante Bastardo
© Fotografia: João Pedro Rato
Legenda da foto de entrada: Os chefs Paulo Soares, da Casa de Angola, e David Jesus, do restaurante Bastardo

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