As peças de mobiliário e o luxuriante papel de parede de um dourado suave “vestem” a rigor o Ato. O restaurante do hotel O Artista recria, assim, a Lisboa das décadas de 1940 e 1950. Já na cozinha é Pedro Almeida, o jovem chef que faz o obséquio de “pôr a mão na massa”, dando enquadramento à carta assinada pelo chef Miguel Laffan.
Foi no Verão deste ano que o Ato subiu ao palco do n.º 17 do Largo do Regedor, em Lisboa, para ensaiar os primeiros momentos da sua cozinha. Após alguns acertos nas personagens, assim como das respectivas funções, mantiveram-se os chefs de cozinha: Miguel Laffan, o consultor, e Pedro Almeida, o executivo. Mestre e pupilo que, pela quarta vez, unem esforços na cozinha – aconteceu no L’And Vineyards (1 estrela Michelin), em 2012 (Montemor-o-Novo), no Viva Lisboa, em 2014 (Lisboa), no Nini Design centre by Miguel Laffan, em 2016 (Funchal, ilha da Madeira) e, agora, n’O Ato.
Entre as mudanças necessárias para aprimorar este acto, deu entrada em cena Sérgio Antunes, com o ofício de escanção consultor, e Teresa Lopes, a recente directora do aparthotel boutique O Artista, que acolhe o Ato de uma cozinha “de comer e chorar por mais”, sobre a qual Miguel Laffan – natural de Cascais e com formação em restaurantes dentro e fora de portas – revela: “queria que fosse, acima de tudo, lisboeta, generosa, festiva”. Já a carta “é sinónimo de conforto e sofisticação q.b.”, mas como “a única forma de defender a tradição é defender a evolução” há que manter a mente aberta e experimentar o banquete com a boa disposição de quem faz da refeição um acto de partilha e convívio.
O escabeche de pato, a massada de peixe e o cabrito assado
Escabeche de pato com foie gras e pão ligeiramente tostado servido com Casa de Mouraz Encruzado 2016, um vinho branco biológico em Tondela, projecto de Sara Dionísio e António Ribeiro, na Região Demarcada do Dão
O bar, está antes de mais, na boca de cena. O dourado predomina no detalhe, com destaque para a máquina de café alusiva às de tempos idos, mas totalmente funcional, consoante as exigências aplicada nos dias de hoje. O chão retrata, por sua vez, a calçada portuguesa semi-tapada por um tapete vermelho como se de vinho tinto se tratasse. O porquê desta peça cénica tem a ver com a parte do filme “Pátio das Cantigas”, em que sai vinho do furo na parede feito por Nasciso (Vasco Santana) e que está retratada na parede cravejada de garrafas a jorrar água. O mobiliário contracena com o papel de parede no que à época diz respeito, assim como com os conjuntos de copos de cristal ornamentados com um detalhe em prata e a respectiva garrafa, dispostos nos aparadores da sala d’ O Ato.
Apesar da decoração austera e luxuriante de uma Lisboa marcada pelo teatro de revista, pelos cabarés, pela art de vivre, “queremos que tenha um ambiente alegre à mesa”, afirma Pedro Almeida. Além disso, o jovem chef da cozinha deste restaurante defende que O Ato seja “uma montra de produtos portugueses”, onde “a matéria-prima é muito importante”. Os pratos são inspirados nas cozinhas de outrora dos restaurantes da capital portuguesa e do país.
Segundo a carta, o repasto pode começar pelo couvert. Azeite transmontano, manteiga caramelizada, pão sarraceno, pão rústico e baguete francesa compõe o início que pode, muito bem, ser antecedido por um cocktail feito no bar.
No alinhamento do repasto, peça um camarão especial ao alho com chili e coentros, se for apreciador de picante q.b., ou o escabeche de pato e pimenta da Jamaica. Já a pensar no menu de degustação – umas das boas-novas do ano de 2019 –, Pedro Almeida optou por juntar o escabeche de pato com foie gras e pão ligeiramente tostado, conjunto de sabores que resultaram na perfeição. Já a lista de entradas de marisco da nossa costa para partilhar conta com sete propostas, como as célebres amêijoas à Bulhão Pato, a gamba da costa ao vapor com flor de sal, o carabineiro ao carvão, ou a ostra ao natural. Para esta espécie de menu de degustação, o jovem chef optou por juntar caviar e algas marinhas à ostra ao natural, o que resultou num verdadeiro petisco.
A sopa de peixe rica, outra das entradas d’O Ato, vale bem a pena experimentar.
Massada de peixe e berbigão harmonizado com Peripécia feito a partir da casta Pinot Noir, da Quinta do Cerrado da Porta, propriedade de Nuno Monteiro Pereira, localizada em Sobral de Monte Agraço, na região dos Vinhos de Lisboa
Sem que haja necessidade de seguir a carta, segue-se a massada de lírio – em substituição do cherne – e berbigão, um dos quatro pratos da portugalidade. Para esta composição, Pedro Almeida escolheu a fragola uma massa típica da Sardenha, ilha italiana, com uma pitada de chouriço e em que o peixe – no ponto – passa pelo carvão antes do empratamento.
Das carnes no carvão chega-nos a perna de cabrito assado como manda a cartilha, um dos pratos favoritos do chef Pedro Almeida. À semelhança das outras duas recomendações da carta, há seis guarnições à escolha, com destaque para o puré de batata com manteiga fumada. O dueto traduziu-se num bálsamo para as pupilas gustativas.
O procedimento com as guarnições repete-se com os pratos de peixe – robalo de linha, pregado à Meunière (ao moleiro, em francês, porque o peixe é passado pela farinha antes de fritar) e pargo-legítimo. A estes três pode juntar um dos quatro molhos.
Pelo meio há quatro pratos destinados ao “Jovem Artista”, ou seja, aos mais novos, mas grandes apreciadores de um repasto feito com o coração.
O Abade de Priscos, gelado de tangerina e amêndoa foi acompanhado por um Vieira de Sousa Tawny 10 Anos, Vinho do Porto produzido pela família Vieira de Sousa, em Celeirós, Sabrosa, no coração do Douro vinhateiro
Último acto: a sobremesa. Há seis que em muito dificultam a eleição para terminar a refeição. Abade de Priscos, gelado de tangerina e amêndoa primou pelo contraste entre a doçura do célebre pudim bracarense e a acidez da tangerina.
Textura de banana, chocolate e caramelo e gelado de avelã
Textura de banana, chocolate e caramelo e gelado de avelã é uma das sobremesas de eleição de Pedro Almeida e uma combinação de sabores quentes a rimar perfeitamente com o frio de Inverno. Sem esquecer o prato de queijos finos de origem portuguesa, outra das melhores formas de pôr um ponto final no repasto, sobretudo por quem tanto aprecia este produto com muito ainda por dizer dentro de portas.
A harmonização esteve, obviamente, nas mãos de Sérgio Antunes que, de fio a pavio, seleccionou vinhos de produção nacional. “Faz sentido, uma vez que a carta é, toda ela, inspirada na nossa cozinha tradicional”, justifica, acrescentando a importância atribuída aos néctares da região vitivinícola de Lisboa, enquanto nos mostra a garrafa do branco produzido pela Adega Mãe em parceria com o chef Miguel Laffan.
O Ato está de portas abertas de domingo a quinta-feira, das 11 às 23 horas e de sexta-feira a sábado, até às 00 horas. A reserva é recomendada através do 211 166 099.
É ir! Bom apetite! •
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