Inovar, testar, melhorar foram as acções que Miguel Teixeira, chef executivo do Corinthia Lisbon Hotel, replicou vezes sem conta durante os últimos meses, para proporcionar experiências memoráveis no restaurante Erva, mas também no Tempus Bar e no Excutive Lounge.
No virar a página para o século XXI, Miguel Teixeira, homem do Norte, decide aprofundar os seus conhecimentos em cozinha e pastelaria na Escola de Hotelaria e Turismo da Feira. Segue-se a formação em Gestão Hoteleira, na Escola de Hotelaria do Porto e o percurso profissional, com o restaurante O Comercial, no sumptuoso Palácio da Bolsa, no Porto, além de espaços de restauração do Grupo Vila Galé ou da função de chef executivo do Vidamar Resort Algarve. Fora de portas, é de destacar o Mercure Sheffield St. Paul’s Hotel & Spa, em Terras de Sua Majestade. O ano de 2019 marcou a reviravolta com a estreia de chef executivo no Corinthia Lisbon, onde há novidades a conhecer, com destaque para o Erva Terrace com reabertura da esplanada marcada para o próximo dia 21 de Abril. A nova temporada do Soul Garden está prevista para começar a 3 de Maio.
A que se dedicou a fazer durante estes últimos meses?
Nestes últimos meses consegui passar mais tempo, por dia, em casa do que no hotel. Quem diria que aos 39 anos isto ia acontecer-me… Dediquei-me mais à minha vida pessoal e familiar. Além do convívio e do tempo passado em conjunto, aproveitei para organizar e pensar com calma em alguns projectos pessoais, alguns deles já em desenvolvimento, outros em estudo prévio. Tirei férias e viajei, não tanto como gostaria, mas foi o possível permitido por lei. Para mim viajar é quase como oxigénio para viver e, claro, como não podia deixar de ser, trabalhei. O hotel apenas fechou no primeiro confinamento. No segundo, mantivemos abertos, para clientes, room service e take away a funcionar nos restaurantes, o que permitiu manter a máquina a funcionar.
Houve tempo para pôr em prática o que anteriormente lhe era impossível?
Sem dúvida! Hoje é quarta-feira e estou a dar esta entrevista a partir de casa. Em 2019 estava no hotel desde as 07h30, com 400 pequenos-almoços, dois ou três grupos nas salas de conferência do primeiro piso com coffee breaks e almoços, o Erva estava cheio para os almoços, o Tempus Bar e Executive Lounge também com almoços…
Portanto, toda uma animação oposta à calma e tranquilidade do dia de hoje. Gosto muito da vida animada e de toda a agitação associada ao mundo da hotelaria e da restauração, mas com estas pausas consigo pensar, estudar, ler, viajar na Internet com pesquisas várias sobre os mais diversos temas de forma calma e estruturada. Basicamente faço quase o mesmo, mas sem andar a correr e sem ter necessidade de esticar os dias pela noite dentro para conseguir.
Se lhe pedisse para falar sobre o seu percurso profissional, o que diria acerca destes 12 meses?
Diria que estivemos entre uma mistura de um banho-maria com uma panela de pressão. O mais difícil na gestão de qualquer negócio é a incerteza em relação ao futuro. Os últimos 12 meses elevaram isto a um ponto nunca antes experienciado. Vivíamos e geríamos as nossas cozinhas a um ritmo alucinante, com muitas semanas de seis e sete dias de trabalho, muitos dias com 14 e 16 horas de trabalho, reuniões atrás de reuniões, grupos atrás de grupos, restaurantes cheios de manhã à noite, equipas diárias de cento e muitos colaboradores para gerir e preocupar.
Sejamos sinceros, gosto imenso disso! Mas, de repente, puf! Tudo pára e ficamos em banho-maria, em suspenso, sem saber o que pensar nem o que fazer durante umas semanas. Depois vem a panela de pressão, novos procedimentos em relação aos quais tivemos de nos readaptar, abre e fecha, abre e fecha, alterações de regras diárias ou semanais que nos obrigaram a andar sempre a correr contra o tempo, pois infelizmente muitas das vezes apenas sabíamos o que nos deixavam fazer uma ou duas semanas antes.
Está a desenvolver pratos/criações para a temporada que se avizinha? Pode levantar o véu?
Os últimos tempos têm sido mesmo dedicados a testar, testar, testar – não é um erro, temos mesmo testado várias vezes os mesmos pratos –, para melhorar e desenvolver novos pratos e alguns já existentes. Levantando o véu, surgem os meus braços, direito e esquerdo, os meus amigos e os chefs Vítor Reis e João Moreira que, em conjunto, temos trabalhado no sentido de desenvolver e aperfeiçoar os diversos pratos. Tivemos a testar o nosso frango do campo, salmouras, tempos de confecção, os hambúrgueres cem por cento vaca.
Também fechamos, agora, negócio com as carnes com que os vamos fazer, de três zonas diferentes do animal, porque as texturas e os sabores são completamente diferentes. Também tivemos com o bacalhau Negro do Alaska a testar o tempo que ficava no frio com a marinada, para ganhar o sabor que queríamos. São só 3 dias. E muitos mais, desde as bochechas e a costela de porco vindas directamente de um criador no Alentejo. Aaté aos caldos, os molhos, os pickles. É tudo feito nas nossas cozinhas.
Que novidades pondera incluir nos menus de degustação e na carta aquando da reabertura do Erva? E no Soul Garden? Poderei dizer que novidade é um dos chavões que melhor nos caracteriza. Desde que entrei para o Corinthia Lisbon, há cerca de dois anos, que juntamente com as equipas e com a direcção do hotel, temos vindo a desenvolver tanto o conceito Erva como Soul Garden, com o intuito de os cimentar no panorama da restauração da cidade de Lisboa. Logo as novidades vão desde as novas sugestões no menu de comidas, novos cocktails e carta de vinhos, tudo isto servido em dois espaços completamente remodelados e seguramente dos mais bonitos de Lisboa. Esperamos poder recebê-los em breve com o sorriso de sempre.
Vai implementar mudanças na sua cozinha, no sentido de abranger um público mais lato ou a estratégia é cingir o serviço a um grupo mais restrito de clientes? Como explica esta decisão?
Queremos abranger todo o público que procure uma experiência e não apenas comer. Uma refeição é muito mais do que o acto de comer. Se isso é um público mais lato ou um grupo mais restrito, não sei, mas são esses que queremos. Quem nos visita pode esperar um ambiente fun, modern and vibrant, com uma gastronomia despojada e simples, mas com uma pitada de irreverência e cheia de sabores. Saber transmitir a minha paixão aos clientes é ver as pessoas comerem e ficarem satisfeitas. É disso que se trata cozinhar,e é para isso que nós cá estamos.
Qualidade. Criatividade. Preço. Como é a sua cozinha e como vê o futuro do sector da restauração a partir destas três palavras?
Qualidade, criatividade e preço são três bonitas palavras que funcionam em perfeita harmonia quando estão equilibradas entre si. Quando uma sobe em demasia alguma das outras vai ter de cair, e cair será mesmo o resultado final da cozinha onde o mesmo acontece. Em relação à minha cozinha, a mesma é espaçosa e com luz natural (risos).
Já no que toca à comida que confeccionamos nas minhas cozinhas, a mesma é cheia de sabor e aromas, ou seja, é “de comer e chorar por mais”! Nunca me preocupei muito em querer fazer espumas e esferificações, sem sequer saber fazer um arroz em condições.
Hoje sei fazer, felizmente, ambas as coisas. Produtos frescos e de qualidade ajudam no resultado final, sempre preferi uma sardinha fresca e de excelente qualidade do que uma lagosta comida pelo gelo. Nada contra a lagosta… Em relação ao futuro, infelizmente parti a minha bola de cristal no início de 2020 (risos). Tenho a certeza que tudo vai passar. O tempo que vai demorar é que já é mais difícil. Quero acreditar e espero, sinceramente, que a retoma se inicie este Verão, para com isto conseguirmos evitar tropeções ou quedas de muitas empresas.
Quão desafiante se tornou este último ano no percurso do chef?
Posso mesmo dizer que este foi o “Ano Desafio”. Tivemos de sair da nossa zona de conforto e alterar hábitos, políticas, formas de pensar e de executar. O que era um bem adquirido e que fazia sem sequer pensar, mudou completamente. Acordar às sete da manhã, tomar banho e vamos trabalhar… Para quê? Estamos fechados! Vamos ver como estão as coisas. “Bom dia, e toma lá um cotovelo como cumprimento.” Mais uma alteração! Hotel vazio, um frio, um silêncio que arrepia… O que nos foi acontecer? É a altura de levantar a cabeça, olhar em frente e seguir caminho.
Sempre fui uma pessoa muito positiva e não perco muito tempo a pensar em negatividades. Reestruturar e preparar a reabertura do Erva e do Soul Garden para o Verão, com uma enorme incerteza do que iria acontecer, mas ainda uma maior vontade de fazer dos dois projectos um Verão de sucesso. Felizmente, foi o que aconteceu (em 2020) e estamos, neste momento, passado um ano, na mesma fase do processo com muitas mais certezas e com um “desafio” ligeiramente menor.