Consciencializar para a sustentabilidade é acção imperativa no que ao molusco cefalópode diz respeito, prática inerente à quinzena gastronómica, em que a criatividade culinária nos leva à arte urbana difundida pelo concelho que, desde há muito, ficou conhecido pelo resultado do trabalho de paleontólogos. Uma viagem a repetir para brindar com exclusividade.
Dez da manhã. O nevoeiro, o rocio e o vento da região Oeste tomam conta da envolvente à beira-mar, na Praia de Porto Dinheiro, pertencente à freguesia de Ribamar, no concelho da Lourinhã, cenário que transporta Lourenço Antunes, de 75 anos, para tempos idos. “Nos anos 60 a 70, houve aqui muita lagosta. Naquela altura, apanhava-se a lagosta nos covos de madeira, mas mais tarde substituíram os covos de madeira pelas redes de emalhar o que destruiu os corais e a lagosta começou a diminuir.”
As palavras traduzem as recordações deste homem, que é pescador desde os 13 e exerce actualmente a função de presidente da Associação de Desenvolvimento e Apoio às Pescas da Praia de Porto Dinheiro. “Essas redes chegavam a estar um dia inteiro no mar. O peixe ficava na rede e ia apodrecendo, e isso deu origem ao desaparecimento da lagosta.”
O mesmo desfecho está a acontecer com o polvo, cuja captura era, outrora, o sustento de muitas famílias deste porto de pesca artesanal. “A apanha do polvo era uma tradição aqui. Ainda sou desse tempo em que vinham buscar o polvo para sua subsistência”. Lourenço Antunes remete para a década de 1950, quando os barcos preenchiam as águas que espraiavam no areal da Praia de Porto Dinheiro. “Tínhamos aqui à volta de 30 embarcações à vela e a remos. O peixe que era pescado era trazido até aqui, mas era o mestre quem o vendia. A guarda fiscal assistia e pagava-se a dízima, o imposto naquela altura”, continua o nosso cicerone que, aos sete anos saía, às escondidas, pela janela, para receber o pai nesta praia. “Já se pescava aqui desde o tempo do meu avô, que morreu em 1914. Porto Novo, Porto Dinheiro e Paimogo (eram as praias mais usadas na pesca”, recorda, prosseguindo o passeio pelas rochas banhadas pelo Atlântico.
“As malhadas são estas rochas que aqui vê, estes buracos entre as rochas. Aqui, era apanhado à vara com um isco. Esta dava – e ainda dá – polvo, navalheira, lapas, percebo, mexilhão e ouriços.” Em terra, os bivalves eram transportados, em burros, até aos concelhos vizinhos, como o Bombarral e Torres Vedras, onde eram vendidos. Já a lagosta era armazenada nos viveiros que permanecem quase intactos no meio das rochas até Setembro, época do ano em que procedia à sua venda.
O polvo era, também, capturado no mar, ao largo da costa, com o auxílio dos covos em madeira, “uma arte”, segundo Lourenço Antunes. “Nos anos 80 é que começou a haver mais exploração de polvo. Hoje, é apanhado nos covos em rede e utilizam os alcatruzes que dão cabo da criação do polvo. É por isso que temos cada vez menos polvo”.
O alerta deste homem com profunda ligação ao mar foi pretexto maior para João Serra, vereador na Câmara Municipal da Lourinhã, abordar a questão da sustentabilidade no que à sobrevivência do polvo diz respeito: “estamos no limite do nível da sustentabilidade. Já realizamos acções de sensibilização com as pessoas, no sentido de evitarem o consumo de polvo com peso abaixo dos 750 gramas.” A advertência de João Serra está associada à quase inexistência de defeso. As iniciativas de sensibilização relacionadas com o molusco cefalópode foram feitas em parceria com a Junta de Freguesia local e desenvolvidas com a Universidade de Aveiro, “mas tudo passa, sobretudo, pelo consumidor”, continua.
“A chamada de atenção provém dos pescadores, por isso, temos de consciencializar as entidades competentes para mudar o tipo de pesca”, remata o vereador na Câmara Municipal da Lourinhã, salientando o quão prejudicial é a captura dos polvos mais pequenos, designados calamaritos na vizinha Espanha.
O mesmo se propõe durante a Quinzena Gastronómica do Polvo da Lourinhã, iniciativa que resultou, há 12 anos, de uma reunião na Câmara Municipal da Lourinhã, em que os representantes de restaurantes do concelho propuseram a realização deste evento. “Há restaurantes que recriam e fazem novas receitas e grande parte dos pratos podem ser consumidos durante o ano, como a mariscada de polvo, criado na quinzena e que perpetuou”, declara João Serra. Os sonhos de polvo foram uma das sugestões de um dos restauradores, tratando-se já de uma velha receita. “A minha avó já fazia isso e era um dos pratos mais feitos naquela altura”, recorda Lourenço Antunes.
Eis o pretexto para fazer-se à estrada. A próxima paragem é n’ O Barracão do Petisco e provar as receitas idealizadas no âmbito da Quinzena Gastronómica do Polvo da Lourinhã. Patrícia e Ricardo Lopes são os anfitriões deste espaço de restauração aberto desde Junho de 2008, na freguesia de Santa Bárbara. Para este ano, a cozinheira do Barracão do Petisco fez da salada de polvo a entrada da ementa da edição de 2021 da referida acção e estreou o polvo de cebolada, prato que vai surgir na sugestão do dia.
A espetada de polvo com camarão, o polvo à lagareiro e o arroz de polvo também tiveram destaque por ocasião desta Quinzena Gastronómica do Polvo da Lourinhã e constam na carta deste restaurante, a conhecer, até porque há mais motivos de “comer por mais” nesta casa, que permanece de portas abertas de terça-feira ao almoço de Domingo, e pode conhecer referências vínicas da Região dos Vinhos de Lisboa, onde está inserido.
Da arte de combinar sabores e apurar os temperos passemos à intervenção artística que tem vindo a despontar no concelho da Lourinhã.
Comecemos pela freguesia de Moledo, um museu a céu aberto, que propicia o passeio pedestre entre o casario local, para melhor conhecer a Rota de Escultura Pública assente no amor entre D. Pedro e Inês de Castro, figuras conhecidas da nossa História que passaram por estas terras da Região Oeste. Este projecto resulta da cooperação entre a autarquia local e a Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, no sentido de criar um percurso que nos leva a contemplar peças desenvolvidas com o propósito de descobrir esta temática Inesiana.
Faça-se o desvio até à Praia do Paimogo, talvez quando visitar a Praia de Porto Dinheiro, de preferência enquanto estiver baixa-mar. A recomendação recai no desenho de Alexandre Farto, a.k.a. Vhils que, com o seu dom, esculpiu o rosto de José Saramago no cais deste lugar, o qual está acompanhado por uma passagem do livro “A Jangada de Pedra”.
Fica a deixa para avançar-se até ao Dino Parque, para uma viagem no tempo. Inaugurado em Fevereiro de 2018, é considerado o maior museu ao ar livre da Europa, onde cabem 181 modelos de dinossauros produzidos à escala real e onde os mais novos ficam a saber tudo sobre estes animais, desde o seu aparecimento até hoje, passando pela evolução que tiveram ao longo dos milhões de anos.
O destaque maior vai para o mais recente “morador” deste recente. Chama-se Superssauros, tem 45 metros de comprimento e está instalado junto à Torre Jurássica do Dino Parque.
A exposição é complementada por mostras temporárias e pela enorme colecção de fósseis do Jurássico Superior, encontrados pela Região Oeste afora. Às crianças é dada, ainda, a possibilidade de serem palentólogas por um dia, iniciativa que envolve duas mãos cheias de actividades divertidas.
Recomenda-se, pois, roupa e calçado práticos e, já agora, um cesto ou mochilas apetrechadas de comida, para dar azo aos apetites da família, até porque não faltam zonas reservadas aos piqueniques com mesas e bancos corridos em madeira, em conformidade com a natureza.
Sendo a Lourinhã a única região demarcada do país exclusivamente para a produção de aguardente vínica com direito a Denominação de Origem (D.O.), nada melhor do que terminar este itinerário na Adega Cooperativa da Lourinhã, estatuto aprovado em Decreto-Lei em 1992. A área geográfica delimitada – onde é efectuado o envelhecimento da aguardente vínica D.O. Lourinhã em barris de carvalho ou castanheiro com capacidade até 800 litros – foi alargada recentemente, abrangendo os concelhos de Torres Vedras, Óbidos, Peniche, Bombarral e Lourinhã. Este procedimento “dá-nos a oportunidade de deixar entrar novos players”, adianta João Serra e, ao mesmo tempo, a aguardente vínica da Lourinhã “passa a ter um maior peso no mercado”, reforça André Baltazar, que assumiu o cargo de presidente desta casa em Agosto de 2020.
Acresce a obrigatoriedade das aguardentes vínicas com direito à D.O. Lourinhã serem armazenadas nos locais de envelhecimento e daquelas serem comercializadas, apenas, quando terminar o envelhecimento, que fica concluído ao fim de 24 meses. Assim, o período efectivo de envelhecimento, contado a partir do termo a campanha de destilação, determina a idade da aguardente. A idade da aguardente, ou seja, o tempo de envelhecimento a que foi sujeita, está inscrita no rótulo e pode ser complementada ou substituída por: Very Superior/VS ou Três Estrelas (igual ou superior a dois anos), Very Superior Old Pale/VSOP ou Very Old/VO ou Reserva (igual ou superior a quatro anos); e Extra ou Extra Old/XO (igual ou superior a cinco anos).
Além das provas de aguardentes, experiência abrangida pelo programa de enoturismo da Adega Cooperativa da Lourinhã, e dos produtos feitos à base de aguardente vínica de Denominação de Origem Lourinhã, como gelados, bombons, macarrons, compotas ou da edição limitada do Sharish Laurinius, gin que estagiou em barricas de aguardente vínica da Lourinhã, aguardam-se as boas novas.
Segundo o nosso anfitrião, serão criadas modalidades complementares às provas, no sentido de captar um maior número de enófilos e outros públicos que tenham interesse por esta página da nossa História, e “em breve, vamos ter uma garrafa com um formato diferente e feita de vidro mais limpo, para elevar o estatuto da aguardente da Lourinhã”. André Baltazar salienta quão importante é inovar, “inovar os rótulos, também”, daí a necessidade “criar alternativas, ir atrás do mercado e das tendências do consumidor, e manter a linha de qualidade da aguardente, identidade desta região demarcada”.
Em contrapartida, a garrafa clássica irá perpetuar, bem como as edições exclusivas que fazem parte do portefólio da Adega Cooperativa da Lourinhã, como a Valevite ou a que foi criada em tributo à Batalha do Vimeiro – evento datado de 21 de Agosto de 1808 e que envolveu os exército francês e luso-britânico, sendo digno de visita familiar o Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro.
Terminemos com um brinde à Lourinhã, uma das três regiões demarcadas do mundo para produção de aguardente vínica com direito a Denominação de Origem a par com Armagnac e Cognac, e ao próximo evento, a Quinzena Gastronómica da Aguardente D.O. da Lourinhã.