O Ocean é uma verdadeira caixa de surpresas e, este ano, o repertório culinário é inspirado no exotismo dos aromas e sabores da “Rota das Índias”. Eis o título do novo menu deste mui conhecido restaurante do Vila Vita Parc, em terras algarvias.
Depois da viagem de Sul a Norte em 2020, “À Descoberta de Portugal”, e de percorrer quatro ilhas dos Açores, Cabo Verde e São Tomé, em 2021, para dar azo à “Edição das Ilhas”, chega a vez de saborear aromas quentes e sabores exóticos, numa mescla de cores vivas. Estes são os ingredientes da temporada de 2022, no Ocean (2 estrelas Michel e Garfo de Platina, pelo guia Boa Cama Boa Mesa), restaurante do Vila Vita Parc, localizado em Porches, no concelho de Lagoa, sob a temática “Rota da Índia”.
Com 14 destinos momentos representativos de lugares e ocasiões vividas durante a viagem a Moçambique, realizada em Janeiro de 2022, Hans Neuner e a sua equipa de cozinha convidam, agora, a embarcar neste périplo à mesa do Ocean. Primeiro com uma breve introdução explicativa sobre esta “Rota da Índia!, no Ocean.
Setúbal, Cabo Verde e Gana são apenas o começo e, antes de prosseguir, desafia os comensais a pescar, acção que leva a um pequeno desvio até à Antártida, aquando da investida, mar adentro, na passagem pelo célebre Cabo da Boa Esperança. A chegada a Moçambique é celebrada através de quatro interpretações feitas por Hans Neuner, seguida de Goa e do regresso a Moçambique.
Tudo é feito com uma generosa dose de conhecimento e outro tanto de rigor, memórias frescas e uma pitada de paixão. Desde a escolha dos produtos, maioritariamente portugueses e substituídos por outros, a par com a sazonalidade dos mesmos, ao empratamento. A prova está no alinhamento dos pratos, como se de uma rota marítima baseada nos Descobrimentos se tratasse.
A experiência é traduzida pelas palavras do chef austríaco, que, em Junho deste ano, celebra 15 anos de múltiplas vivências na cozinha do Ocean.
Como foi a sua experiência em Moçambique?
Fizemos uma viagem de loucos por Moçambique! As pessoas são maravilhosas. Já estive algumas vezes em Goa, por isso não fomos. Optámos por Moçambique. Estivemos por lá 12 dias.
Quão fascinante foi este roteiro?
Moçambique é um país lindo! Visitei 12 restaurantes e todos têm cozinheiras. São mulheres poderosas! É impressionante. Todas cozinham no fogo e todas cozinham ‘matapa’. Fiz, pelo menos, quinze ‘matapas’ diferentes. É uma espécie de cataplana algarvia. Ora fazem com batata doce, ora fazem com mandioca, e depois põem amendoins crus, coco, óleo de palma… É o que usam na maioria dos pratos.
Há uma grande diversidade de produtos em Moçambique?
A variedade de produtos é muito escassa em todo o país, por isso cozinham muito com os mesmos produtos. A comida é um pouco amarga. Usam folhas de mandioca ou de batata doce… Noutros casos, fica negra, porque cozinham no fogo durante muito tempo, mas todos os ‘caçadores’ profissionais de sabores, como eu, conseguem identificar os diferentes sabores. Têm sabores tão puros! É comida de família. Aprendemos como fazem, inspirámo-nos e tentamos replicar aqui. É importante visitar estes países, ver como se cozinha por lá. É inacreditável! Podemos ter férias de luxo, mas temos de conhecer estas realidades, para nos tornarmos mais ricos!
A viagem foi organizada?
Foi o amigo do meu chef pasteleiro [Márcio Baltazar], o realizador Pipas Forjaz [António Forjaz], que nos mostrou Moçambique e filmou tudo! O filme vai estar disponível, em breve, através de um QR Code, para os clientes do restaurante.
Já em terras algarvias, tiveram de substituir os produtos, para concretizar esta “Rota das Índias”.
Conheci muitos produtos, mas não pudemos trazê-los para cá. Na ‘matapa’, substituímos as folhas de mandioca ou de batata doce por brócolos. No Verão, vamos substituir os brócolos pelas folhas de batata doce. A maioria dos produtos que usamos neste menu são portugueses, à excepção das especiarias. Mas há algumas coisas que trouxemos de lá e utilizamos durante a refeição – as moedeiras, os tecidos com que são feitos os guardanapos.
Foi a primeira vez que o chef esteve no continente africano?
Estive algumas vezes em África e os miúdos, lindos, vestem-se com aquelas T-shirts europeias. Por isso, decidimos fazer um prato com aquelas T-shirts. É impressionante. Quase ninguém veste isto [diz, apontando, ao mesmo tempo, para o guardanapo feito a partir de uma capulana]. África tem uma indústria têxtil fascinante, mas estas T-shirts estão por todo o lado! Para mim, está errado. As senhoras cujos maridos compram capulanas, vestem peças de roupa lindas feitas com estes tecidos lindos! É preciso pôr as pessoas a pensar e a questionar também sobre este assunto.
Quantas pessoas “traz” no seu coração?
Trouxe cinco ou seis pessoas no coração. Dona Sonja, Dona Sara… É tão bom aprender com estas mulheres! Tal como gostei muito de aprender com as mulheres de cá, quando fiz a viagem por Portugal, há dois anos. Passou-se a mesma coisa em Moçambique. Aquela cozinha de fogo. Mas havia uma mulher que fazia aquilo com um orgulho e cozinhava tão bem! Nunca irei esquecer isso. Aliás, são as mulheres que levam aquele país para a frente. As mulheres fartam-se de trabalhar. São incansáveis! São a espinha dorsal daquele país. Elas levantam-se bem cedo e caminham quilómetros e quilómetros, com as crianças. Isto fica gravado no coração! É inacreditável!
Esta acção vem no alinhamento da primeira viagem, em 2020, realizada de Sul a Norte de Portugal.
Foi maravilhosa! Levei uma tenda e um saco-cama. O Márcio [Baltazar], o meu chef de pastelaria, e eu. Aconteceu quando tivemos de fechar o restaurante por causa do que estava a acontecer. Não sabíamos o que iria acontecer e se o restaurante iria abrir novamente. Por isso, decidimos aproveitar o tempo para “sermos portugueses” e viajar pelo país, conhecer os melhores produtores e aprender com eles. Não perder tempo em casa! Temos de pensar positivo, conhecer pessoas e recomeçar!
“Trouxe cinco ou seis pessoas no coração. Dona Sonja, Dona Sara… É tão bom aprender com estas mulheres!”
Em 2021, foi a vez de visitar ilhas do arquipélago dos Açores.
No ano passado, estive em quatro ilhas dos Açores – São Miguel, S. Jorge, Pico e Terceira. Têm um maravilhoso arroz de lapas! Depois, fomos a Cabo Verde e a São Tomé. Príncipe, não. Príncipe é para quem está de férias. Nós fomos lá em trabalho. Escapamos à Madeira, que é muito bonita, mas já lá estive muitas vezes. Fomos o meu chef pasteleiro e eu, e mais três ou quatro elementos da equipa. Não pudemos levar todos.
Qual o destino que se segue?
Para o ano, vamos ao Brasil! Para mim é muito interessante ser um forasteiro e viajar pelo mundo inteiro, conhecer as raízes portuguesas. É muito importante para mim. Não cresci com isto. Nasci na Áustria e não reuni raízes. Quero conhecer as aventuras que os portugueses viveram e estar onde estiveram. Por isso, quero dar outra motivação ao que fazemos. Temos produtos aqui, cujos produtores não tínhamos visitado, daí termos seguido as recomendações de outros chefs, que me aconselharam a visitar este e aquele produtor. Fomos! Também há coisas que se estão a perder por todo o país, porque as pessoas desaparecem e, assim, o conhecimento também desaparece. Há um enorme repertório culinário por todo o país, de mulheres, de pessoas que cozinham, daí que tenhamos de criar uma base, para reunir todo esse conhecimento. Há uma mulher, para lá de Chaves, que faz cuscus tão bem! O que faz, poderá desaparecer. Estive lá e sei como se faz, por isso não desaparecerá totalmente. É por isso que é importante ir aos sítios, aprender com as pessoas e ter orgulho em absorver este património. Não faço só por ou para mim, faço pelo restaurante, pelo que é melhor pelo restaurante. Quero a maioria do conhecimento de todo o país nos meus pratos. Para mim, como chef, estar ao lado de uma mulher que cozinha este prato, só este prato, ver como se faz, é… inexplicável! Quando cozinho, faço uma versão do que aprendo. Não cozinho melhor nem pior. Faço aquilo que acho que é bom, mas preciso de reter primeiro essa aprendizagem, da forma original de fazer um prato. Depois, ponho o meu cunho. O sabor está lá!
“Temos de ter abertura para trabalhar em qualquer lado. Tenho aqui uma equipa que me apoia. A criatividade vem por si só.”
Sempre que regressa ao Ocean, todo o trabalho realizado em equipa conta.
Sinto-me mesmo um privilegiado. Temos produtos maravilhosos. Os jovens portugueses têm uma abertura incrível para vivenciar coisas novas. É óptimo! Por isso, temos de ter abertura para trabalhar em qualquer lado. Tenho aqui uma equipa que me apoia. A criatividade vem por si só. Temos de nos concentrar no que podemos fazer de novo, no que podemos melhorar em relação ao ano passado e não podemos ser negativistas na forma de pensar. Se tiveres boas pessoas em teu redor e a mesma motivação, tudo é mais fácil. A companhia é muito importante!
Que planos tem para o futuro?
Em Dezembro vamos ao Brasil, mas antes tenho de ir à Índia. Depois disso, temos de ir a Macau e às Ilhas Molucas. Quero a minha flor de Muscat. Daqui a cinco anos, farei o meu best off.
O menu “Rota das Índias” (€235) pode ser acompanhado pela harmonizações vínica (€140) ou pela opção protagonizada por vinhos premium (€350), responsabilidade do escanção português Ricardo Rodrigues. Estas são igualmente protagonizadas por referências nacionais, com destaque para produções limitadas e edições exclusivas do restaurante. A reserva de mesa pode ser feita através do 282 310 100 ou do site restaurante do Ocean.
É ir, pois vale a pena a viagem e a experiência. Bom apetite!