O Alentejo de Filipe e Sofia, da Dona Josefa, dos vinhos frescos e da biodiversidade profunda / Herdade do Sobroso

São 1.600 hectares de uma propriedade quase sem fim. Terra banhada pelo Guadiana e encimada pela Serra do Mendro, com um boutique hotel de encantar, onde o receituário tradicional é feito com amor. Sem esquecer a componente de Baco, da vinha à adega, a cargo de quem sabe, neste começo da Vidigueira.

São 1.600 hectares de uma biodiversidade profunda


“Foi amor à primeira vista!” Sofia Machado descreve o seu sentimento em relação à Herdade do Sobroso, quando fala sobre o dia da visita a esta propriedade, localizada em Pedrógão, freguesia da Vidigueira, no Baixo Alentejo. “Foi em Janeiro de 2000” e “lembro-me de ter pensado: ‘é começar abaixo do zero!’” Na altura, tinha 22 anos e estava a terminar a licenciatura em Engenharia Zootécnica. “O Filipe [Machado] já tinha acabado o curso de Enologia.” 

Um ano depois, plantam-se 52 hectares de vinha e é feita “a recuperação de parte da Serra do Mendro”, com a limpeza do mato e a plantação de sobreiros. “O vinho é a jóia da coroa, mas são 1.600 hectares de reserva ecológica!” Parte desta área pertencente ao Alto Alentejo. A delimitação está a 500 metros de altitude, nesta cadeia montanhosa, e é sinalizada por um marco. Em tom de brincadeira, Sofia Machado explica, que se fica com um pé na freguesia de Pedrógão, no distrito de Beja, Baixo Alentejo, e, com o outro, na freguesia do Alqueva, do concelho de Portel, no distrito de Évora, Alto Alentejo.

Gamos, veados, javalis e muflões co-habitam pacificamente dentro desta propriedade alentejana, que se estende até à Serra do Mendro


“Gostamos genuinamente da terra, de cuidar. Há zonas para os animais beberem, há mato, para os animais comerem, e há zonas para eles se esconderem”, explica Sofia Machado. O safari fotográfico em jipe – efectuado na companhia de um guia – pela Serra do Mendro comprova quão generoso é este ecossistema, seja em flora, seja em fauna. Gamos, veados, javalis e muflões, sendo estes, nada mais, nada menos, que carneiros selvagens, co-habitam neste espaço, com coelhos, lebres, perdizes. Some-se as 66 espécies de aves residentes, além das migratórias. 

Destaque-se os patos reais, identidade da Herdade do Sobroso, cuja génese advém da etimologia da palavra Guadiana. A etimologia desta palavra advém da época dos romanos, com a designação de Fumen Anas, isto é, “rio dos patos”, seguindo-se o Wadi Ana, dos mouros, desenvolvendo-se para Odiana, e, por a influência castelhada, passou a Guadiana. Quatro quilómetros deste curso de água atravessa a propriedade, sendo esta a única com vinha plantada nas suas margens, que, outrora, se estendiam por estas terras. 


Seixos na vinha e a frescura dos vinhos

São visíveis os seixos na vinha desta propriedade da Vidigueira, onde, outrora, chegava o leite do Rio Guadiana


A prova está na tipologia dos solos e na quantidade abundante de seixos existente vinha adentro. Aos 52 hectares, Sofia e Filipe Machado somaram outros 13, dos quais cinco foram acrescentados em 2018, com Tinta Miúda, Petit Verdot e Touriga Nacional. Apesar da aposta nos tintos estar consolidada, “queremos plantar mais casta brancas. Aliás, fomos os primeiros a plantar Alvarinho no Alentejo e o primeiro casamento que fizemos foi Alvarinho com Antão Vaz”, uma união feliz, diga-se, e sem razões para desencadear a separação. 

Na lista das variedades de uva branca constam ainda Arinto, Perrum e Verdelho. Alfrocheiro, Alicante Bouschet, Aragonez, Cabernet Sauvignon, Touriga Franca, Trincadeira e Syrah são as restantes castas tintas inscritas no portefólio da Herdade do Sobroso. Todas estão plantadas de acordo com o Plano de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo, em prol de uma agricultura integrada. 

“A localização das castas foi escolhida de acordo com o tipo de solo”, afirma Filipe Machado, tarefa que inclui as análises necessárias ao solo, de forma a validar o plantio das castas. Assim, as brancas estão na Vinha dos Calhaus, dentro da qual existem “micro-diferenças”, ou não estivesse a Arinto plantada em solo de aluvião, por exemplo. “A Syrah, Cabernet Sauvignon e Alicante Bouschet estão em solo de xisto vermelho, mais férreo, argiloso”, continua o enólogo. 

A sala de barricas reservada ao vinho tinto é também destinada à provas vínicas dos vinhos produzidos na Herdade do Sobroso


Na adega, o trabalho maior aguarda-se para breve, com o início das vindimas. Entretanto, repousam vinhos de colheitas de anos anteriores, seja em cuba de inox, seja nas salas de barricas, já que há uma reservada a brancos e outra só para os tintos. Esta última destina-se às provas vínicas e a uma experiência que Filipe Machado está a fazer com parte da colheita de 2021 das castas brancas Antão Vaz e Perrum e da tinta Alicante Bouschet. 

A frescura é uma das características mais comuns nestes vinhos feitos a partir de uva própria


A função de enologia é partilhada por Luís Duarte, enólogo consultor. O resultado reflecte, na sua generalidade, a frescura da Vidigueira aliada à influência do Rio Guadiana e às amplitudes térmicas diárias, que proporcionam noites muito frescas, em contraponto com os dias soalheiros, sobretudo durante o Verão. Mas qualquer altura do ano é pretexto para embarcar nor programas de anoturismo da Herdade do Sobroso, desde a winetour com prova comentada e degustação de queijos e enchidos tradicionais do Alentejo ao winetour com prova de vinhos e almoço de cozinha tradicional, passando pelo curso de iniciação à prova.


Dormir em comunhão com a Natureza

A Casa da Quinta faz parte da Herdade do Sobroso Country House


Após a plantação da primeira vinha, em 2001, o passo seguinte consistiu na recuperação das ruínas. Parte destas deram origem, em 2008, à Herdade do Sobroso Country House. Nesse mesmo ano, os primeiros vinhos seguem para o mercado. 

Os quartos são luminosos e comungam do tão desejado conforto numas férias repousantes


“É um hotel com o cariz de um monte alentejano, com padrões de conforto”, sublinha Sofia Machado. Cada recanto do casario respira a arquitectura do Alentejo. O interior dos onze quartos luminosos, divididos entre a Casa da Cegonha e a Casa da Quinta, eleva a simplicidade e a modernidade. As duas convergem com a tranquilidade de um espaço rodeado pela Natureza apreciada do alpendre da Casa da Quinta ou do banco comprido talhado no muro alvo da propriedade.

Os jardins são extremosamente cuidados pelo Sr. Manuel


Os jardins emprestam o colorido das flores e as tonalidade de verde ao exterior, demonstrando o cuidado extremoso do Sr. Manuel, o hortelão da Herdade do Sobroso. Os demais verdes dourados do montado, apreciados das janelas e varandas de cada quarto, compõem a paisagem campestre desta propriedade de alma e coração alentejanos. A par com o azul do céu e da piscina, junto à Casa da Cegonha, refrescante nos dias de maior calor e para quem não dispensa de um mergulho, seja a que dia do ano for.

Entre ambos os edifícios, está o terrace, o novo espaço com vista privilegiada para a vinha e o montado, e uma mais-valia nos dias amenos, para refeições ao ar livre. Atente na carta de almoço, que aguça o apetite e aproveite para fazer uma das quatro provas de vinhos. Estas podem ser acompanhadas por uma selecção de queijos e enchidos alentejanos, pelo mel rosmaninho cem por cento biológico ou pelas compotas Herdade do Sobroso. Ambos são produtos próprios desta propriedade, com a particularidade destas últimas serem sazonais.

A sala de estar, instalada na Casa da Quinta, evidencia a decoração de um monte alentejano


Quanto ao almoço, assim como o jantar, surpreenda-se com os pratos da zeloza Josefa Repas. A famosa cozinheira de mão cheia é a responsável pela cozinha do restaurante da Herdade do Sobroso, instalado na segunda casa, juntamente com a sala de estar e a recepção, aberto a hóspedes e passantes, mediante reserva prévia.


O Alentejo pelas mãos de Dona Josefa

A Dona Josefa é o rosto do restaurante da Herdade do Sobroso


“Queríamos que o restaurante servisse os sabores daqui”, esclarece Sofia Machado. Por isso, perguntou à Céu Calhau onde estava “a melhor cozinheira do Alentejo”. Esta aventura remonta a 2008, aquando da abertura do restaurante. Depois de se provar a comida feita pela Dona Josefa – como é carinhosamente tratada por todos –, fica a sensação de consolo do estômago e da alma, já depois do olfacto se perder de amores por tão saborosos pratos que aprendera a cozinhar, a partir dos seus 14 anos, em forno a lenha. 

“Os meus pais viviam do forno” e Dona Josefa, agora com 67 anos, começou a confeccionar pratos em forno a lenha. “Como sabiam que eu tinha jeito para cozinhar bolos e pães, pediram-me para ajudar nos casamentos. Isto desde os 14 anos. Naquele tempo, os casamentos demoravam a preparar semanas inteiras! Aprendi tudo com as cozinheiras!” 

Os pratos confeccionados recriam a gastronomia tradicional alentejana


A soma da sabedoria com a experiência faz com que Dona Josefa confeccione tudo ‘a olho’ e tudo tem de passar pelos seus olhos antes de sair da cozinha. “No final, tem de ficar tudo bem.” O arroz de pato bravo com enchidos, a sopa de cação com ovo escalfado e o cozido de grão comprovam a capacidade gastronómicas singular de tão grande cozinheira. Acrescente-se a carne de alguidar, que, à mesa, acompanha uma migas de “comer e chorar por mais”, e as empadinhas, feitas a partir de uma massa fina e crocante q.b., recomendados a quem tanto aprecia a cozinha típica desta região. 

Faltou tempo para saborear as bochechas de porco preto, acompanhadas de batatinhas, alecrim e abóbora assadas no forno, o entrecosto de porco preto cozinhado em vinho tinto e mel e a célere açorda de beldroegas com bacalhau e ovo escalfado. Apesar de notável e notória preferência pela cozinha, Dona Josefa faz três sobremesas a provar: sericaia, o bolo de requeijão e mousse de chocolate negro. 

É de tirar o chapéu, porém, a Céu Calhau, cujas mãos de fada se revelam na feitura do fidalgo e da torta de laranja. Tecolameco (doce conventual de Portalegre), bolo do convento, encharcada ou pudim conventual de amêndoa são outras das sobremesas que aqui deixamos, para acicatar ainda mais o apetite. Sem esquecer o trabalho que tem vindo a ser feito por Miguel Amaral, o mais recente chef de cozinha da Herdade do Sobroso. “O que sabe fazer, e muito bem, é cozinha alentejana”, garante Dona Josefa.

“Tem sido um caminho muito bonito”, afirma Sofia Machado, acerca do trabalho realizado, ao longo do anos, por Josefa Repas, que, desde 2013, tem arrecadado o primeiro prémio do “Concurso da Melhor Açorda”, de Portel. Independentemente destas distinções, “há pessoas que voltam pela Dona Josefa!” 


Aja com vagar. Aproveite o tempo

Os passeios de caique, na praia fluvial privada da propriedade, são apenas uma das várias actividades disponíveis na Herdade do Sobroso


E que mais se pode fazer na Herdade do Sobroso? Reserve um passeio a cavalo pelas vinhas ou de charrete pela propriedade, e um piquenique no local mais inesperado. Solicite as pagaias e o colete, e dirija-se à praia fluvial privada, com areal e um pequeno terraço, onde as águas propiciam a um passeio de caiaque e paddle board

A pesca ao achigã é um complemento pela proximidade do Rio Guadiana. Se restar tempo faça um passeio de barco pelo Alqueva. “Temos parcerias exclusivas só para os nossos hóspedes”, com dois barcos à disposição e skieper próprio, que também faz de guia, actividade disponível para o mínimo de duas pessoas.  


Ver a Herdade do Sobroso pelo ar também é possível, ou não tivesse sido o balão de ar quente uma maravilhosa invenção. Só falta fazer figas, para quem os ventos soprem na direcção certa, para quem tão aventuroso e/ou romântico passeio se concretize, com o objectivo de se ver os 1.600 hectares desta propriedade, que Sofia e Filipe Machado preservam com carinho. “A Herdade do Sobroso é muito mais do que um simples negócio. É uma responsabilidade enorme, porque é preciso que tudo esteja em equilíbrio. Cuidar desta terra, que adoramos, é um trabalho ecológico profundo. Para nós é uma forma de estar na vida.” 

É ir! Boas férias!


+ Herdade do Sobroso
© Fotografia: João Pedro Rato
+ Legenda da foto de entrada: Filipe e Sofia Machado, os rostos da Herdade do Sobroso

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