Petit Verdot, Touriga Nacional e Alicante Bouschet constituem a tríade de monocastas a juntar a dueto de vinhos feitos a partir de uvas colhidas em vinhas velhas. Eis as boas novas deste produtor alentejano, situado às portas de Estremoz.
Luís Serrano Mira é o proprietário da Herdade das Servas
“Começamos a desenhar o vinho no campo”, começa por explicar Luís Serrano Mira, produtor dos vinhos da Herdade das Servas. “O Renato [Neves] faz a análise da uva no campo e decide o seu futuro”, continua, de olhos postos na Vinha das Servas, plantada em 2010, numa extensão de aproximadamente 70 hectares desta propriedade vitivinícola, localizada a escassos quilómetros do centro histórico de Estremoz.
A estes hectares juntam-se cerca de 280, espalhados por mais sete vinhas pertencentes a este produtor – Azinhal, de 90 hectares e com 30 anos; da Louseira, de 75 hectares, em São Domingos de Ana Loura; da Judia, de 40, de 50 anos, reconvertida parcialmente na década de 1990; de Pêro Lobo, de 28 hectares, com reconversão efectuada em 2017 e localização em Orada, Borba, onde também fica a da Cardeira Nova, de 13 hectares; do Clérigo, de 22 hectares, situada em Borba, parte da qual tem mais de 75 anos; e a da Cardeira Velha, de 13 hectares, com 45 anos. A área total ronda os 350 hectares e destes 95 por cento são vinhas de sequeiro, ou seja, não são irrigadas, factor que potencia a defesa das plantas face à falta de água pluviais.
Ter ou não ter vinhos com baixo grau alcoólico, eis a questão
Renato Neves é o enólogo desta propriedade vitivinícola alentejana
Em relação à uva, esta pode beneficiar de uma maior concentração de açúcares, que, durante o processo de fermentação se transformam em álcool, cujo grau, estimado nos 14,5 e nos 15 por cento, é, hoje, considerado elevado. Sobre esta matéria, Renato Neves, actual enólogo da Herdade das Servas, é da opinião de que é um erro interromper a maturação da uva, para obter menos gradução alcoólica.
Ainda sobre o teor alcoólico, Renato Neves esclarece que o seu aumento pode dever-se a dois motivos: “ou por aumento da quantidade efetiva de açúcar existente nos bagos; ou por desidratação do bago e respetiva diminuição do seu conteúdo em água, aumentando a concentração dos açúcares lá presentes.” A esta fase em que “a planta permanece a carregar os bagos com açúcar chamamos maturação e este período é mais longo quanto mais ajustado for o seu equilíbrio nutricional, hídrico e sanitário, dentro de um balanço entre stress e conforto, mediante os objetivos de produção/qualidade”. No entanto, “numa planta em carga de açúcar, dificilmente se nota desidratação nos bagos, pois esta normalmente só ocorre após essa paragem de produção de açúcar.”
Se, por outro lado, “uma parcela de vinha permanece a colocar açúcar no bago (e com isto não me refiro somente a aumento do ‘grau provável’, porque este aumento pode não estar relacionado apenas com aumento da quantidade de açúcar), mesmo quando já foi atingido um grau provável de 13, 14 por cento, e a colheita for feita durante esse período, correm-se grandes riscos de não se conseguir encontrar equilíbrio em boca e obter perfis frutados, sejam elas frescos ou maduros.” O resultado traduz-se em vinhos com “um perfil vegetal vincado, adstringentes e com amargor”.
Portanto, a produção de “vinhos harmoniosos” só são possíveis quando o ciclo das plantas é respeitado, além de que aquele consoante a casta e o ano. Por essa razão, o enólogo da Herdade das Servas salienta o quão importante é conhecer cada parcela de vinha, bem como o seu histórico e a “evolução dos seus estados fenológicos ao longo do ano, para uma correta interpretação da maturação das uvas”. Em suma, “o teor alcoólico de um vinho é inevitavelmente fruto da maturação das uvas, ou seja, da quantidade de açúcar que foi acumulado nos bagos e da maior ou menor desidratação ocorrida após a paragem de carga dos açúcares até à data da colheita”. Ao pôr-se em causa este facto, corre-se o risco de “comprometer a qualidade dos vinhos e/ou fazer com que estes deixem de refletir a sua origem”.
Um quinteto de boas novas
O quinteto de boas novas da Herdade das Servas é composto por três vinhos monovarietais e dois outros feitos a partir de castas vindimadas em vinhas velhas / © Ernesto Fonseca
Cabe à estreia do portefólio deste produtor do Alentejo iniciar este desfile vínico. Trata-se do Herdade das Servas Vinhas Velhas branco 2020 (€25). Feito maioritariamente a partir da casta Arinto – “talvez das melhores castas nacionais”, nas palavras de Luís Serrano Mira –, vindimada na Vinha da Louseira, e com dez por cento de Roupeiro, proveniente da Vinha da Judia, este vinho apresenta acidez e denota uma vincada sensação de mineralidade, e frescura; tem um final longo e persistente. Peixe assado no forno, bivalves à Bulhão Pato, queijos e enchidos sãos as recomendações de harmonização.
A sala de barricas da Herdade das Servas consta na visita guiada à propriedade, com ou sem prova vínica – há seis à escolha –, que termina na loja ou no novo Legacy Winery Restaurant
Neste alinhamento, há ainda o Herdade das Servas Vinhas Velhas tinto 2017 (€30), antecedido por cinco colheitas. Alicante Bouschet é a casta predominante deste lote, complementado por Touriga Nacional, Trincadeira e Petit Verdot. É um vinho que casa bem com os dias frios, graças aos aromas quentes de cacau e especiarias, e as notas fumadas na boca, a par com complexidade, estrutura e final longo.
Segue-se a tríade de tintos monocastas, que começa com Herdade das Servas Petit Verdot 2017 (€17,50) iniciar este desfile vínico. Este tinto é feito a partir da casta Petit Verdot, com um ciclo logo, dando origem a uma maturação mais tardia, sobretudo se plantada em terras poucos férteis, “de difícil retenção de água”, como é o caso desta que foi utilizada na elaboração deste vinho. A sensação de mineralidade, complexidade e elegância, o final longo e persistente caracterizam este vinho.
Herdade das Servas Touriga Nacional 2017 (€17,50) é o vinho tinto que se segue, com complexidade, estrutura, taninos delicados e final persistente.
Ambos têm potencial de envelhecimento e atributos que conferem a harmonização com pratos de carne vermelha e de caça, e enchidos, bem como alguns queijos. O mesmo se aplica ao Herdade das Servas Alicante Bouschet 2017 (€17,50), com notas de frutos silvestres, de cacau e fumadas, no nariz, além de ser mais complexo e estruturado do que os demais, fresco e com final persistente.
Luís Serrano Mira faz questão de ter a sua enoteca, para memória – entenda-se provas – futura
Segundo Luís Serrano Mira, “os vinhos nunca são lançados muito novos”. A respeito da produção destes três monovarietais, o produtor da Herdade das Servas destaca: “aquilo que queremos aqui [também] é que o consumidor se prenda pela aprendizagem.”
Brindemos!