No Boubou’s, em Lisboa, está tudo alinhado para a crescente visibilidade da chef luso-francesa, que, sete anos depois da abertura do restaurante, denota uma evolução maior na cozinha.

O ambiente descontraído do Boubou’s contrasta, de forma positiva, com o lado sério da cozinha da chef Louise Bourrat
Louise Bourrat nasceu em Lyon. É filha de mãe portuguesa e pai francês. Veio para Portugal a 4 de junho de 2018, com o objetivo de dar apoio na cozinha do Boubou’s, o então recém-aberto restaurante do irmão, Alexis Bourrat, localizado no nº 32A, da rua Monte Olivete, em Lisboa. Na bagagem, traz memórias de viagens transpostas, inicialmente, no conceito gastronómico deste espaço.
Em 2022, Louise Bourrat vence a edição francesa do Top Chef, seguindo-se o regresso a Portugal cheia de vontade de virar a página no Boubou’s, com a opção do menu de degustação a solo, isto é, sem ementa à parte, no ano seguinte. Vence a aposta no produto, nas técnicas e na criatividade e, mais tarde, a partir de dezembro de 2024, na implementação de temáticas atribuídas a cada estação do ano. Em março de 2025, abre o Gancho, no outrora Boi-Cavalo, do chef Hugo Brito, em Alfama, onde a comida de tacho leva a melhor à mesa.
De volta ao Boubou’s, onde o bar, as cores e os padrões da entrada deixam antever uma atmosfera descontraída, como se comprova no pátio, onde está disposta a maioria das mesas e palco do desfile dos pratos de assinatura da chef luso-francesa, que se inspira na cozinha portuguesa, dando destaque ao bacalhau, seja no menu de sete, seja no de 1o momentos, com, respectivamente, seis ou oito vinhos selecionados (ou, respectivamente, cinco, ou seis bebidas não alcoólicas). Leia a entrevista.

Coscorão, puré de couve-flor, mix de especiarias e caviar é um três snacks que indiciam o ponto de partida para os menus de degustação
O que determinou a chef Louise Bourrat a vir para Portugal em 2018? A ligação com Portugal deve-se à nossa mãe. Quando éramos crianças, passávamos os verões no norte [de Portugal] e sempre tivemos uma grande ligação com a gastronomia – temos uma avó portuguesa e uma avó francesa. Tenho uma grande paixão pela cozinha desde pequenina e sempre tive muito orgulho de dizer, na escola, o que comia por cá, como o arroz com sangue.
O Boubou’s já estava aberto em 2018 e tinha como proprietário o seu irmão, Alexis Bourrat. Sim. Estávamos em Londres, o meu irmão veio para Portugal e eu fui para a América Latina. Comprei um bilhete só de ida e fiz uma viagem com mochila. Todas as viagens que faço estão ligadas a comida. Estive na Argentina, Chile, onde estive a trabalhar, Bolívia, Peru, Equador, estive na Colômbia… Voltei para França e regressei à Colômbia. Depois fui para México, Nicarágua, Honduras, El-Salvador, Costa Rica…
Daí a presença da influência sul-americana do Boubou’s, com um conceito muito focado na partilha. Sim, naquela altura, fazia uma comida com uma ligação gastronómica de memórias de viagem. Durante três ou quatro anos, essa fusão esteve mais presente aqui, no Boubou’s. Hoje não há tanto essa influência, talvez porque eu tenha evoluído na cozinha, que é uma cozinha com a minha identidade. Entretanto, viajei para a Índia. Depois voltei, no início do Covid, para não deixar o Alexis sozinho com esta responsabilidade, mas com a condição de abrir cinco dias por semana e só ao jantar. Assim, podia ter a oportunidade de criar mais e ter um conceito mais refinado e mais estável para todos.

“Durante três ou quatro anos, essa fusão esteve mais presente aqui, no Boubou’s. Hoje não há tanto essa influência, talvez porque eu tenha evoluído na cozinha, que é uma cozinha com a minha identidade”
chef louise bourrat
Com a passagem do tempo, decidiram optar pelo menu de degustação. Quão arriscado foi fazer essa mudança? Foi super progressivo. Quando reabrimos, em 2020, comecei a fazer o menu de degustação, para além da carta com pratos de partilha. Ficou assim durante dois anos. Em 2023, já depois do Top Chef, passámos a fazer só menu de degustação por razões práticas e por causa do negócio. Eu queria fazer algo mais original, mais criativo e mais explosivo, que não se encontra em mais nenhum sítio da cidade. Desde então, mudou muito o tipo de cliente entre o Boubou’s antigo e o Boubou’s de hoje. Por exemplo, abri, há três meses, o Gancho, onde tenho muitas pessoas que vinham aqui antigamente.
Disse há pouco que a alta cozinha praticada no Boubou’s é original, ou seja, que não vamos encontrar em mais nenhum sítio da cidade de Lisboa. Acho que todos nós temos uma definição muito pessoal sobre cozinha. Por exemplo, a partir do final de 2024 – porque agora estou a mudar a carta a cada três meses – passou a haver uma temática relacionada com cada estação. Para mim, esta ideia faz todo o sentido. Precisei destes anos para definir uma linha criativa e, ao mesmo tempo, muito pessoal. Faço ioga e meditação, ou seja, gosto muito da relação com a natureza e acho muito interessante juntar estas duas paixões que tenho na minha vida. Talvez o facto de ser mulher acabe por me dar uma sensibilidade diferente.
Estas temáticas facilitam o exercício de encontrar os produtos que estão disponíveis? Sim. E os pratos também. Para mim, é mais complicado quando tenho uma página em branco. É mais fácil ter uma linha criativa, para criar algo. Engraçado, que, no início, estava mais ligada ao produto. O produto era o ponto de partida para o menu de degustação. Mas, depois, comecei a pensar: raízes, Natal, família, inverno, origem, infância. Ok! Afinal, raízes não são só o produto, também podem ser as nossas raízes. Comecei, então, a fazer receitas da minha “bi-bisavó”, que era cozinheira num castelo, em França, em finais do século XIX. Tenho o livro de receitas dela e estou a editar esse livro – tenho um prato dela, que é lebre com sangue. Voltei a essas raízes. Agora, está o “Florescer”, a ligação com a primavera e com produtos que eu amo. Informei-me sobre a relação dos povos da antiguidade com a primavera e com o ano novo, porque o ano novo, para esses povos, começava a 21 de março. É um momento em que semeamos, traçamos objetivos para o ano, deixamos para trás o que não serve, damos importância às flores, que têm cores, formas e aromas. Depois, comecei a pensar sobre a minha ligação com a primavera, que, para mim, é criatividade e equilíbrio, enquanto o inverno nos faz ficar mais em casa, mais fechados e, no verão, estamos fora o dia inteiro, porque está muito sol. Ou seja, o menu de primavera, o “Florescer”, é diversidade, elegância e muito equilíbrio, em que não puxo pelos sabores, como a acidez ou o picante.
Podemos encontrar pratos de inspiração portuguesa no menu de degustação? Sempre. Um exemplo: o bacalhau! Já há muito tempo que não tinha bacalhau no Boubou’s como este prato, que tem ervilhas e alho selvagem ou alho dos ursos, que há na minha região, em França. Tenho memória da colheita do alho dos ursos, que sempre comemos em casa. Aparece na época das ervilhas. Por isso, achei que seria interessante juntar o alho dos ursos às ervilhas e ao bacalhau, produto bem português, servido com molho pil pil, azeite e muito sabor. As espinhas e a pele são colocadas em azeite, para fazer esse molho, que fica com o sabor do bacalhau, com a essência do bacalhau.
A avó da chef cozinha bacalhau? Sim, mas em França. Só cozinha comida portuguesa, como bacalhau, enchidos, cozidos, ensopados… Faz um bacalhau à Brás… Uau! No Gancho, em Alfama, temos os pastéis da Fátima, o nome da minha avó, e o bacalhau à Brás. Temos lá comida de conforto, de tacho, de influência portuguesa, francesa e italiana. Em Alfama, temos pouquíssimos restaurantes de comida portuguesa boa.
Que mais-valias procura quando escolhe uns produtos em detrimento de outros? Tenho de falar com os produtores dois ou três meses antes, para ter os produtos disponíveis para quando preciso, o que torna o meu trabalho mais interessante. Foi o que fiz, por exemplo, com as flores e a fruta, mas não funciona para tudo, porque há produtos que têm uma temporada mais curta. Há casos em que, entretanto, temos de substituir o produto, o que nos obriga a ter uma solução. São maioritariamente produtos de Portugal, porque incluímos os Açores e o acesso aos produtos de alta qualidade ainda não é tão fácil para os chefs dos restaurantes em Portugal, porque há mais procura do que oferta. Hoje, há mais produtos biológicos e de quintas regenerativas, mas estamos em lista de espera. Há dois anos que estava em lista de espera, para conseguir ter espargos brancos. Consegui este ano, porque comecei a pressioná-los em janeiro. O crescimento da agricultura é uma realidade e tem a ver com a dinamização da cena gastronómica portuguesa; e o crescente interesse em relação à criatividade e ao produto trouxe produtos e produtores de fora para Portugal.
A viagem gastronómica que fazia anteriormente no Boubou’s mantém-se no menu de degustação? É mais subtil. Pode aparecer um ingrediente ou uma técnica, mas não é óbvio. Não há mais pratos de fusão.
Quanto vale a criatividade da chef Louise Bourrat? Tem cinco dígitos [risos]. A criatividade faz parte das pessoas e há quem seja mais criativo do que outros. Por exemplo, o meu amigo George McLeod, do [restaurante] Sem, muda o menu a cada mês e quase nunca faz um prato que tenha feito anteriormente. Ele não para! Vai ao mercado e faz logo o menu. Eu não sou capaz de fazer isso. Preciso de tempo para pensar, para ter a certeza de que tudo vai sair da forma perfeita. Ainda não cheguei à perfeição, mas acho que estou no caminho.
O menu de verão do Boubou’s terá início em que data? Pode desvendar a temática? Vamos começar com o menu de verão a 21 de junho. Vai ter fruta e frutos do mar. Vamos puxar mais pelo picante, pela acidez, pelo fumado, porque o verão é isso. O menu vai chamar-se “Colheita”. O verão é como o inverno, é uma temporada extrema. A música e as plantas vão mudar, a interação da equipa com os clientes também vai mudar. Vai haver uma energia diferente. Este menu também vai ter as memórias da minha adolescência, a ida às feiras, os beijos, o algodão doce… Quero criar uma ligação emocional e espero que o cliente se lembre desses tempos.
O bacalhau para além das 1001 receitas
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