Primeiro é a vinha, depois a adega e, por fim, na mesa. A uva é o ingrediente principal numa mão cheia de experiências para registar e guardar na memória, e fazer jus ao lema desta enorme propriedade no coração do Baixo Alentejo.
A região d’além Tejo cantou vitória, em 2014, quando foi distinguido além fronteiras como melhor destino de enoturismo do mundo em sequência da soma de votos no site de viagens do jornal USA Today, prémio que valeu – e ainda, hoje, vale – a visita de enófilos de fora de portas. Ainda do outro lado do Atlântico chegavam notícias sobre o Alentejo que, no início deste ano, era recomendado pelo New York Times, graças ao enoturismo, à sinérgica apoteose da gastronomia, do vinho e, claro, do bem receber. O verdadeiro convite para rumar ao limiar do sul de Portugal, viver a vida como ela tão bem merece por um par de dias num oásis ao cimo da terra e saber um pouco mais acerca do infindável universo da vinha e do vinho.
Sejam bem-vindos à Herdade da Malhadinha Nova, perto de Albernoa, a escassos quilómetros de Beja. Comecemos pela prova de um legado de Baco ‘da casa’ a harmonizar almoço tardio e descontraído à beira da piscina, de olhos postos no imenso verde das videiras que salpicam a paisagem alentejana, o ponto de partida para concretizar o programa especial das vindimas reúne um repertório de um boas razões para dar uma mão na vinha e pôr o pé no mosto.
2015, o ano dos brancos
O enólogo Nuno Gonzalez, ao centro, na mesa de escolha
Invertamos o sentido. Isto é, comecemos pela adega. Junto à mesa de escolha, onde mãos apressadas retiram as folhas das videiras de onde foram colhidos os cachos de uvas, que caem no tapete, seguindo para o desengaçador – a máquina que retira os bagos –, dá-se corda à conversa, porque o tempo, esse, por estes dias, parece resvalar-se entre os dedos.
Com o dia 10 de agosto a marcar o primeiro dia das vindimas, o enólogo Nuno Gonzalez revela-nos os nomes das melhores castas de 2015 da Herdade da Malhadinha Nova: Alicante Bouschet e Cabernet Sauvignon. Porém, 2015 “vai ser um bom ano de brancos, onde temos boa frescura, boa acidez… Vamos conseguir subir um pouco a produção do [Monte da] Peceguina branco, o que é muito importante; vamos ter um Antão Vaz bom, de certeza; quanto ao Viognier, ainda é muito cedo dizer alguma coisa; gostava de fazer um Arinto; e o Verdelho está impecável”.
De um modo geral, “maioria dos vinhos é decidida a priori”, razão pela qual “temos poucos vinhos pensados logo de início”, mas “sabemos que há lotes que acabam por ser, inevitavelmente, Malhadinha, por exemplo”, explica Nuno Gonzalez, e “do que se destaca nós decidimos se é um Pequeno João ou um Menino António. Por exemplo, nos grandes anos de Alicante [Bouschet] há um Menino António; nos grandes anos de Cabernet [Sauvignon] há, de certeza, um Pequeno João” e “quando vemos que uma casta é tão boa é monocasta na certa”. Afinal, por aqui, a qualidade dos vinhos é tida como exponencial, daí que o vocábulo ‘reserva’ não entre no dicionário da Herdade da Malhadinha Nova. A justificação é simples: “Os nossos vinhos não têm designativos de qualidade, o que temos são marcas. Por isso, quando se compra um Malhadinha já temos uma seleção que equivale a um reserva”.
Quanto a boas novas, está programada a plantação de mais 20 hectares de vinha para março de 2016, sendo uma parte plantada em redor de uma ruína da área nova da herdade. Quanto às castas, estas “ainda estão por definir”, revela Rita Soares que, com João, Paulo e Maria Antónia Soares compõem a administração da Herdade da Malhadinha Nova.
Vista-se a camisola!
Sem que as palavras servissem de estímulo a uma curta pausa, chegam caixas repletas de Touriga Nacional, as quais são esvaziadas com celeridade exigida, pois não há tempo a perder ao longo desta época das vindimas cujo fim se avizinha.
Aos mais aventureiros é aberto o caminho para entrar no lagar e pisar a uva no ritmo certo em rodeios e sem parar. Mas primeiro há que vestir a camisola – a t-shirt que se encontra na mochila, o kit especial de vindimas, que inclui também um boné Malhadinha, uma lanterna, e uma tesoura, água e bolachas de fibra –, mesmo os mais novos que, trajados a rigor, têm porta aberta para pôr o pé no mosto num dos oito lagares de inox da adega da Herdade da Malhadinha Nova, a qual celebra 13 anos a 22 de setembro de 2015 e onde as dez cubas troncocónicas de fermentação recebem as uvas tintas, as 18 restantes aguardam pelas castas brancas, e os néctares de Baco dos anos anteriores descansam nas barricas de madeira.
O mosto digno de Pantagruel
Porque a colheita da uva se quer especial, Bruno Antunes, o chef ‘da casa’, e Joachim Koeper, o chef consultor, preparam um menu de degustação inspirado nas vindimas.
A rosé, o branco e o tinto da Peceguina, da colheita de 2014, o Malhadinha tinto de 2012 e o colheita tardia da Malhadinha
Aqui, o mosto do dia das castas que estão a fermentar é o ingrediente principal de um desfile de pratos acompanhados por uma seleção de vinhos da Herdade da Malhadinha Nova.
Ovas de pargo e espuma de mosto
Para começar o repasto da noite, elaborado pelo chef Bruno Antunes, deu honras o Monte da Peceguina rosé 2014, feita a partir das castas Touriga Nacional, Aragonez, Tinta Miúda e Syrah, para harmonizar o amuse bouche composto por ovas de pargo e espuma de mosto, uma muito bem pensada e confecionada entrada de mar que inicia esta viagem pelos sabores do vinho.
Os ovos cremosos, tubaras alentejanas, courgettes da Malhadinha e crocante de batata é a entrada que se segue, fazendo também as delícias de pequenos gourmets.
Da cozinha alentejana sai o gaspacho reinventado na cozinha do restaurante da Herdade da Malhadinha Nova, com o lagostim na composição e a melancia a tornar esta iguaria da região ainda mais refrescante e apetecível em noites de veraneio. De Baco vem o Monte da Peceguina branco 2014, um blend feito a partir das uvas das castas Antão Vaz, Verdelho, Roupeiro e Arinto.
Naco de novilho DOP com puré de maçã e batata, crocante de cenoura e molho de vinho tinto Malhadinha
Vem o bacalhau confitado e o Monte da Peceguina tinto 2014 – Touriga Nacional, Aragonez, Syrah, Alicante Bouscher e Trincadeira – que tão bem casaram à mesa. O primeiro é apresentado com crosta de chouriço vermelho DOP, puré de batata-doce, pinhões e legumes da ‘nossa’ horta, um prato equilibrado nos sabores e ao qual se seguiu o suculento naco de novilho DOP com puré de maçã e batata, crocante de cenoura e molho de vinho tinto Malhadinha. Uma combinação de truz servida ao lado de um Malhadinha tinto 2012, feito a partir das castas Alicante Bouschet, Tinta Miúda, Touriga Nacional e Cabernet Sauvignon.
A intercalar o repasto, Bruno Antunes apresenta as uvas, o leite creme e o gelado de canela num prato harmonizado com o Late Harvest Malhadinha 2010, um monocasta composto pela casta Petit Manseng.
A mesma colheita tardia faz companhia à sobremesa, uma tartelete de uva com gelado ‘de comer e chorar por mais’, com uma apresentação que rima com o velho ditado ‘os olhos também comem’.
Com a mão no cacho
Ainda o breu toma conta do céu e já o dia começa para cerca de duas a três dezenas de pessoas, sobretudo mulheres que, de tesoura em riste, cortam os cachos das videiras com o primor de um mestre. De mochila às costas e com a lanterna de cabeça a postos apresentam-se os hóspedes junto à vinha da casta portuguesa Touriga Nacional, para iniciar o ofício em plena madrugada.
Em segundos apanha-se o jeito. E entre conversas e gargalhadas, as mãos imparáveis de mulheres e jovens, e pequenos curiosos que, seguindo as indicações de quem sabe, aprende a arte de vindimar com o gosto e a genuinidade própria da infância.
Com o raiar do dia, a rota entre vinhas muda de direção. Agora é a vez da casta Alicante Bouschet que tem de ser colhida para os baldes e destes para as grandes caixas posteriormente levadas, por sua vez, para a adega.
Imparáveis são também os ponteiros do relógio, que às oito da manhã dita a hora do pequeno-almoço na vinha.
No Country House da herdade, o primeiro repasto do dia aguarda a chegada dos hóspedes com a habitual variedade de queijos, fruta, pães, cereais, os enchidos e o presunto, as compotas e os frutos secos, os sumos naturais… para tomar com a natural acalmia da paisagem alentejana.
Depois há o regresso à vindima para quem toma o gosto pela experiência, com a calorosa receção de Maria Clara, de 61 anos, que há 15 anos faz parte da equipa de trabalho da Herdade da Malhadinha Nova, “desde a primeira vinha”, para ser mais precisa, assim como Maria Odile, de 57, Dália Belchior, de 55, e Maria da Conceição.
A piquenicar entre vinhas
Troquemos o Country House e o restaurante pelas vinhas da herdade, para um almoço tranquilo ao ar livre, sentado à mesa ou na toalha estendida no chão, à sombra da azinheira, ao mesmo tempo que se preguiça e se ouve o silêncio típico do Alentejo.
À mesa, decorada a preceito e ao jeito ímpar demarcado pela Herdade da Malhadinha Nova, eis os enchidos e os queijos, as chamuças de alheira, as espetadas de queijo com tomate cereja e o gaspacho. Brindemos com Peceguina rosé 2014!
As bifanas de novilho com mostarda, as tostas de pão alentejano com porco preto e os hambúrgueres de tártaro de carne alentejana DOP fazem-se acompanhar pelas batatas fritas, fazendo as delícias dos comensais.
Para o fim, há a fruta da época da herdade e as doces iguarias em ponto pequeno – os brownies de chocolate e avelãs, as sericaias, os bolos de figo e as tarteletes de ameixa, – as uvas com chocolate negro e os morangos com chocolate branco.
Duas mãos cheias de boas razões para rumar à Herdade da Malhadinha Nova, pelas experiências e pela cozinha do restaurante, paragem obrigatória de uma viagem pelo Alentejo ou uma eventual rota rumo a sul, ou um repasto mais romântico durante a semana ou o fim de semana. A ir! •
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+ Herdade da Malhadinha Nova
© Fotografia: João Pedro Rato
Legenda da foto de entrada: Maria Clara, Maria Conceição, Maria Odile e Dália Belchior, as quatro mulheres que, há 15 anos, fazem parte da equipa da Herdade da Malhadinha Nova
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