A ilha da Madeira testemunha a história de um homem que um dia mandou erigir um hotel sublimado pelo traço apalaçado sobre a ponta de um penhasco rochoso, na cidade do Funchal, onde a elegância emergiu há quase 125 anos.
Falamos de William Reid, escocês, nascido em 1822. Volvidos 14 anos, chega ao Funchal, com o intuito de encontrar saúde e fortuna, desafio alcançado graças ao espírito empreendedor e visionário que o caracterizavam. Assim, a pouco e pouco, ao lado de sua mulher Margaret, foi alugando quintas para os visitantes que permaneciam na ilha por um período de três ou seis meses, ou com o registo de estadias de um ou até dois anos até ao momento em que o sonho de ter um hotel primado pela elegância começou a ganhar contornos reais, primeiro com a aquisição de um terreno na ponta de um penhasco conhecido como o “salto do cavalo” e, em 1887, com o início da construção sob o traço do arquiteto inglês George Somers Clarke. Porém, em 1888, William Reid morre, a é obra concluída em 1890 e, a 1 de novembro de 1891, abrem-se as portas daquele que viria a ser conhecido como o “New Hotel” da família Reid.
Hoje, o Belmond Reid’s Palace continua a ser uma página viva da história, uma imperiosa varanda para o imenso Atlântico que foi crescendo ao longo das seis décadas que esteve nas mãos da família Blandy, durante as quais foram erigidas a ala este e a ala jardim, além de que foi sendo alvo de reconstruções e remodelações, as quais se repetiram já depois de 1996 e no primeiro trimestre de 2006, quando foi vendido à Orient-Express, empresa rebatizada de Belmond Hotels Inc. e o hotel passa para Belmond Reid’s Palace, com o registo da criação de duas suites no edifício principal com vista sobre a baía da cidade e da remodelação das duas piscinas de origem, entre outros trabalhos.
O exotismo do jardim do Belmond Reid’s Palace transporta-nos para a tão desejada serenidade
Afinal, são 125 anos de história. “O mais desafiante é manter o nome deste hotel que conseguiu, desde que abriu, ter uma reputação muito forte”, revelou Ciriaco Campus, da Sardenha, Itália, e diretor geral do Belmond Reid’s Palace. Estava a trabalhar em Roma quando recebeu o convite e “no dia do embarque para aqui, encontrei um ex colega meu no aeroporto que me perguntou para onde eu ia, ao que eu disse que estava a caminho da Madeira, e perguntou para que hotel. ‘Reid’s’, respondi. E ele disse ‘Uau!’”
Eis o que é proferível quando, junto às piscinas, se contempla a mais antiga e imperiosa ala do hotel, elegante no traço e ornamentada de varandas e terraços, estes contíguos ao frondoso e exuberante jardim com mais de 500 espécies diferentes de árvores, arbustos e plantas, o qual está ser “recatalogado”, segundo Ciriaco Campus, para que os mais curiosos descubram os nomes dos elementos que o compõem – aliás, estão disponiveís visitas guiadas gratuita aos interessados nesta matéria. Pelo jardim, com vista para o mar, estão também estão dispostos bancos corridos e cadeiras para quem aprecia a serenidade do silêncio por entre a sombra das árvores.
É pela sombra das árvores que é percorrido o caminho até chegar às duas piscinas – uma de água doce, outra de água salgada – no privilegiado terraço que fica mais abaixo ou não fosse este mais um palco aberto sobre o oceano. Desçamos. De elevador ou pela escadaria erigida em tempos idos acede-se à piscina delimitada junto às rochas e ao mar, onde o mergulho é inevitável. Afinal, há sempre alguém a vigiar e bóias não faltam, para dar resposta a qualquer imprevisto. De qualquer modo, o aconselhável é respeitar a bandeira.
O restaurante da piscina apresenta uma variedade de pratos no buffet frio e na carta
E este ano a piscina está de novo a receber não-hóspedes sendo, para o efeito, necessário adquirir o ingresso na receção do hotel, o qual inclui o repasto do buffet de frios do restaurante da piscina (bebidas não incluídas) e uma hora de reserva no campo de ténis, caso haja disponibilidade na respetiva tabela de horário, não sendo necessário levar toalha de praia, além de que os balneários estão disponíveis para serem utilizados.
Para os hóspedes, e além do buffet frio composto por uma diversidade de pratos, queijos, fruta e sobremesas, o restaurante da piscina – por cima do qual está o Garden Room, onde são servidos os pantagruélicos pequenos-almoços – disponibiliza a carta composta por pratos leves que rimam com o verão.
A propósito, ainda há tempo para explorar a gruta?
A herança cosmopolita da história
O italiano Ciriaco Campus é o diretor geral do hotel
Quando Ciriaco Campus chegou ao Belmond Reid’s Palace, em 2008, deparou-se com “um hotel com uma personalidade muito forte, que transmite a carga histórica que tem”. Afinal, tosos os cantos e recantos poderiam contar muitas histórias registadas antes e depois das duas grandes guerras. “Por aqui passaram figuras que marcaram a história do mundo”, como o enigmático Winston Churchill, que ali escreveu parte das suas memórias e se dedicou à pintura, ou Bernard Shaw, que Bernard Shaw, “que aprendeu a dançar aqui e, na sua modéstia, disse que o mestre de dança do Reid’s foi a única pessoa no mundo que lhe tinha ensinado alguma coisa”, revelou o nosso anfitrião – cujos nomes foram atribuídos a duas suites –, mas também a imperatriz Elizabeth I da Áustria (ou Sissi) ou Humberto II de Itália, ou os atores Gregory Peck, Roger Moore ou Peter O’Toole.
Glamour à parte, Ciriaco Campus afirma que todo o legado do hotel “requer um trabalho diário, um grande esforço na formação dos funcionários e a dedicação de toda a equipa”, porque “não podemos ficar alheios à modernidade, porque a tecnologia mudou muito, por isso temos de proporcionar diversos serviços aos clientes”.
O Chá da Tarde com vista sobre um Atlântico infinito
Entre duas mãos cheias de atividades, há os jogos de ténis nos dois campos disponíveis para o efeito, as aulas de dança, o golfe – a praticar no Palheiro Golf e no Santo da Serra –, assim como o Chá da Tarde. “O afternoon tea nasceu com o hotel”, afirmou o diretor geral e, por conseguinte, é um dos momentos mais emblemáticos do Belmond Reid’s Palace, a sublimação do mais puro requinte contemplado por uma lista de chás preto e branco, e infusões, e uma boleira composta por sanduíches – depois das quais são colocados os scones ligeiramente mornos, para comer assim ou com doce – e preciosos mini pastéis, que fazem as delícias dos mais gulosos. Servido no terraço ou no lounge, e muito apreciado pelos não-hóspedes, a hora do chá requer reserva antecipada. “É uma experiência que todos deveriam experienciar” e um verdadeiro repasto, razão pela qual fica a recomendação de que o melhor é almoçar um pouco mais cedo do que é hábito…
E há o The Spa, onde a massagem regional madeirense é um dos rituais mais apetecíveis – há o óleo de uva, o de equilíbrio e o de desintoxicação e uma refrescante mistura feita com aloé vera e eucalipto da Madeira –, com uma vista inimaginável para o Atlântico infinito e, por isso com o privilégio de terminar uma sessão de massagem com o som das ondas do mar.
Cozinha com assinatura
A cozinha clássica do chef Joachim Koerper salta à vista com o espada salteado, puré de ervilha e suco de caldeirada
O antigo Grill Room abriu, há cerca de um ano, remodelado, com um novo conceito e um novo nome: Restaurante William. “É uma homenagem ao fundador do hotel, com enfoque no quão visionário foi William Reid, que de uma rocha imaginou o futuro e a sensação que se quer passar com esta mensagem é a mesma que os nossos clientes sentem quando estão no restaurante William”, sublinhou o nosso anfitrião.
Assim, as paredes beges, o teto cinza e as peças de mobiliário em madeira escura deram lugar a tons suaves e mobiliário mais leve, e “pedimos apoio ao chef Joachim Koerper”, estando Luís Pestana como o chef executivo na cozinha do restaurante, onde o trabalho se concentra, sobretudo, nos produtos regionais. Na pastelaria está o chef Pedro Campas.
À mesa há a carta e o menu lavagante, produto estrela na cozinha demarcadamente clássica do chef alemão Joachim Koerper – chef do Eleven (1 estrela Michelin), em Lisboa, e do Eleven Rio (1 estrela Michelin), no Rio de Janeiro, Brasil – que há cerca de um ano, na viagem de Lisboa para o Brasil e vice-versa, faz escala na ilha da Madeira, para “deitar olho” na cozinha, de onde saem também o menu assinatura e o menu dedicado ao mentor do Belmond Reid’s Palace e a carta.
Sobre o menu William, e depois de dois amuse bouche com as saudações do chef, o repasto prossegue com o refrescante carpaccio de vieira com vinagre balsâmico.
Seguiu-se a saborosa sopa de agrião com batata violeta cremosa com sabor a mar, graças à sapateira e ao caviar.
Leitão confitado com chutney de tomate, maracujá e batata ponte nova
No alinhamento do menu, há que eleger entre o espada salteado, puré de ervilha e suco de caldeirada, uma harmonia de sabores que apetece repetir, e o leitão confitado com chutney de tomate, maracujá e batata ponte nova, uma prato que é imagem de marca do chef Joachim Koerper (leia a entrevista ao chef aqui), o qual foi muito bem confecionado pela equipa da cozinha do restaurante William.
Antes de chegar à sobremesa, eis a seleção de queijos nacionais e estrangeiros, para escolher, compor com compota, nozes, uvas e pão com frutos secos, e deleitar-se com este momento sempre tão presente na cozinha do chef alemão.
O chocolate e a manga em perfeita sintonia à sobremesa
No momento mais doce, há a pré-sobremesa – tapioca com baunilha e morangos e um financier (pequeno bolo com textura esponjosa da pastelaria francesa) de café – e a sobremesa, um cremoso de chocolate e texturas de mango, equilibrado e dominado pelo sabor do fruto tropical que contrasta no prato pelo doce e a acidez q.b. que o caracterizam.
“No fundo, nossa cozinha trabalha muito os produtos regionais, afinal temos um importante papel no desenvolvimento economónico-social, daí a nossa oferta regional logo nas boas-vindas, com a queijadinha da Madeira, o bolo de mel tradicional e o Vinho da Madeira”, reforçou Ciríaco Campus. Com efeito, são vários os pratos que compõem uma carta imensa dotada de produtos ditos “nobres”, entre os quais estão também os regionais, a somar à lista de vinhos, que inicia nos champanhe e nos espumantes, terminando nos “vinhos para meditar”, ou seja, nos vinhos generosos da Madeira, também muito presentes no Cocktail Bar.
Dentro da lista de restaurantes, o Belmond Reid’s Palace integra o Ristorante Villa Cipriani com uma carta convertida na cozinha italiana, e o Dining Room, de portas abertas nos dias mais frios do ano e palco de noites especiais, como o Dinner Dance ou o Champanha Gala Buffet.
Nova era, nova imagem
Com os olhos postos sobre a baía da cidade do Funchal
Aquando da chegada de Ciriaco Campus “o Reid’s tinha uma imagem de inacessibilidade, era um pouco fechado também perante o mercado local”. Foi por essa razão que o diretor geral do hotel resolveu trabalhar em equipa no sentido de “desmistificar essa aparência e, hoje, há pessoas do Funchal que vêm aqui passar o fim de semana!” Para o efeito, foi criado uma tarifa especial para quem viaja do continente português e uma outra para os locais, que “vêm cá no dia 30 de dezembro, dia marcado por uma grande festa, porque os madeirenses tendem a festejar o penúltimo dia do ano fora de casa – 99 por cento das pessoas que aqui está nessa data é madeirense. “Tudo se encaixa no contexto do hotel passar uma imagem mais acessível”, sublinhou o nosso anfitrião, por isso passamos a organizar estes eventos, estas festas, para abrir mais as portas ao mercado madeirense. Uma das primeiras ações foi a Festa Branca e resultou.
O ambiente em redor das piscinas é, com efeito, de festa, onde todos se vestem de branco para celebrar o verão, tendo a sexta edição da Festa Branca acontecido no passado dia 23 de julho. Na mala há que levar boa disposição e apetite, pois há muito por onde escolher no repasto da noite composto também pelos pratos regionais, como a sopa de legumes com trigo pilado, a espetada de novilho em espeto de louro ou o milho regional frito, por exemplo. Mas “porque não é apenas um jantar, é uma festa, todos os anos tentamos proporcionar momentos diferentes, o que não é fácil, apesar de ideias não faltarem” e este ano o evento contou com o registo magnífico da equipa feminina de natação feminina da GESLoures. No final do verão há outro encontro marcado no Belmond Reid’a Palace, para a festa do final da estação mais quente do ano, “sempre com o intuito de passar uma imagem de uma ambiente relaxado”, concluiu Ciriaco Campos.
A pé, p’lo mar e p’lo ar
A altitude atinge os 1818 no Pico do Areeiro
Continuando a conversa com o diretor geral do Belmod Reid’s Palace, o primeiro impacto quando chegou à Madeira foi “uau!. Na verdade, a ilha oferece coisas que não se encontram em outros destinos.”
Terra de vulcões adormecidos há 6500 anos, a ilha da Madeira veste-se de um manto verde para celebrar quatro estações ao longo do ano, graças ao clima ameno, polvilhado com o cinza do inóspito cenário dos picos que povoam a “pérola do Atlântico”. Carregada de flora e fauna, e com uma imensidão de atividades a caber numa pausa no trabalho, fica sempre a sensação de que muito fica por descobrir. Portanto, todas as razões são válidas para um regresso à ilha viva da floresta laurissilva cuja delimitação integra a Madeira na área geográfica das ilhas afortunadas, a Macaronésia, ao lado dos Açores, de Cabo Verde e das Canárias, uma ancestralidade no verbo existir que conquistou em 1999, a classificação de Património Mundial Natural pela UNESCO.
E é pelo Parque Natural da Madeira com o estatuto de Reserva Integral, devido à existência de diversas espécies endémicas, como o til, o loureiro, o vinhático e o barbusano, da família das lauráceas, nome a partir do qual emerge a designação da floresta, e às quais se juntam muitas outras árvores que compõem a biodiversidade deste imenso pedaço de terra que, pelas clareiras e junto às ribeiras e aos regatos enverga gramíneas, arbustos e herbáceas ornamentados por coloridas flores, sem esquecer dos exuberantes fetos nascidos nas partes mais sombrias desta densa mancha que, em conjunto, presenteiam o referido parque com o estatuto de Reserva Integral, ideal para os passeios pedestres nas levadas – canais de irrigação que testemunham um passado longínquo – ao longo das quais é possível desfrutar de uma das mais exuberantes experiências ao cimo da terra. Apesar de acessíveis, há que ter em conta o grau de dificuldade de cada passeio, razão pela qual é recomendado apoio de quem denota experiência nestas andanças a somar à escolha de roupa adequada e de calçado próprio para caminhada.
A viagem pela ilha começa no Pico de Barcelos, a 355 metros de altitude
Avancemos então pela ilha, com o Funchal como ponto de partida. Iniciemos a incursão pacífica no Pico dos Barcelos, localizado a uns escassos 355 metros de altitude, um dos pontos estratégicos de vigilância da ilha em tempos que já lá vão e do qual se contempla a principal cidade da ilha.
Do Miradouro do Paredão vê-se o paredão que parece suster o aluimento de terra que parece querer dermoronar
A passagem pelo caminho real e, depois, pelo recém aberto caminho florestal de acesso ao Miradouro do Paredão – o paredão é uma parede de lava corroída pela erosão que parece travar um aluimento de terra que se “esconde” por detrás –, a 1200 metros de altitude, contemplam-se algumas das espécies de plantas, como a urze e o maçaroco, e de aves de rapina. No roteiro consta ainda o Pico do Areeiro, a 1818 metros de altitude, o início da vereda do Areeiro, por exemplo, com término assinalado no Pico Ruivo, a 1862 metros de altitude, e de onde se vê o Pico das Torres, a 1851 metros de altitude.
A caminho do Miradouro dos Balcões
Se o clima estiver a preceito, o trio de picos é, de novo, alvo de observação no Miradouro dos Balcões, onde se encontra informação disponível sobre as aves da ilha e se começa a levada até Ribeiro Frio. Só as levadas são mais de duzentas levadas que, num total de três mil quilómetros percorrem a montanha, a costa ou em quadros onde ambos os cenários se cruzam – e onde também entra o Parque Ecológico do Funchal – num misto de interesse por quem tudo faz por uma observação de aves que, entre o belo e o raro, encantam mesmo os mais distraídos.
Do miradouro junto ao Jardim Tropical contempla-se o Funchal
Depois há o teleférico no Jardim do Almirante Reis, no Funchal, o qual contempla uma vista de 360º para a cidade, além de que é a forma mais rápida para chegar ao Jardim Tropical e à igreja de Nossa Senhora do Monte, onde se encontra sepultado o imperador Carlos I de Áustria e rei da Hungria que foi obrigado a exilar-se na Madeira após a Primeira Guerra Mundial.
A Fortaleza de São Tiago
No regresso, o roteiro prossegue pela Fortaleza de São Tiago, datada do século XVII recém-intervencionada e, por conseguinte, um monumento a visitar, assim como pelo Museu A Cidade do Açúcar, que reabriu as portas como novo, onde as memórias e o espólio associado à cana do açúcar da Madeira – o mel é usado no bolo típico da região e o açúcar é utilizado na produção de aguardente e de rum – são como um pedaço da história da ilha.
Amália Rodrigues à porta de uma extinta casa na zona velha do Funchal
Na zona velha da cidade cabe o projeto de arte Portas Abertas, uma ação de revitalização que nasceu em 2010 e, desde então, tem tido respostas por quem, com o recurso à arte de pintar e grafitar, dá vida e cor às vetustas portas da parte da cidade outrora vivenciada por pescadores e que merece ser visitada pelas tasquinhas, onde a poncha é rainha.
Os armazéns da da Blandy’s são um pedaço da história do Vinho da Madeira
Porém, não deixe de ir ao incontornável Mercado dos Lavradores logo pela manhã, de preferência, para descobrir a fauna marítima ao detalhe; à Bordal, a fábrica de bordados da Madeira ainda viva; e às Adegas da Madeia Wine Company, os armazéns de envelhecimento do Vinho da Madeira da Blandy’s, em plena cidade do Funchal, onde o passado, as vindimas, as castas, ao vinificação, as barricas e os tonéis e uma infinidade de histórias – entre elas a dos borracheiros – emergem na história do vinho generoso desta região autónoma portuguesa. E muito ficou para ver entre museus, igrejas, jardins…
As cores e os cheiros do Mercado dos Lavradores
… a somar a uma panóplia de recomendações para os mais aventureiros que elegem o trekking, a escalada, o rappel, o slide, o trail, os rápidos (canyoning) e o BTT ou as excursões em todo o terreno para descobrir a ilha – o melhor é mesmo optar por quem conhece a história e saiba do que está a falar –, ou os passeios a cavalo e a orientação.
Da terra para o mar, a flora e a fauna traduz diversidade numa imensidão azul repleta de reservas naturais sob a água do Atlântico, que tanto pode ser palco de desportos mais radicais, como o surf, o windsurf e o stand up paddle, como de atividades mais serenas – passeios de barco, de kayak, observação de cetáceos e mergulho. Os mais corajosos são desafiados a conhecer a morfologia da ilha pelo ar.
Da arte à mesa: O tributo à Madeira
Os calhaus são a imagem de marca de Nini Andrade Silva
De novo em terra, mas com o Atlântico a perder de vista, eis que, na hora do repasto, é eleito o restaurante do Design Centre de Nini Andrade Silva, na Fortaleza de Nossa Senhora da Pontinha, no Funchal, outrora um ilhéu hoje agarrado à ilha por mão humana.
De elevador ou pela escada, a entrada deixa no ar o convite para um dia bem passado. Em redor, a abraçar dois terços do edifício, um terraço oferece uma vista deslumbrante, ora sobre a cidade, ora sobre o oceano infinito, com espreguiçadeiras e mesas acompanhadas de cadeiras, para quem queira experimentar o sossego.
Muitos amantes da arte, em particular da designer de interiores Nini Andrade Silva, madeirense de gema, a “garota do calhau”, como se autodenomina e como é conhecida pelo público que a segue, de certo que já conhecem a sala de exposições permanente composta por peças da autoria da mentora deste projeto, as quais estão patentes com os prémios atribuídos aos hotéis cujos interiores denotam o a sua assinatura, entre outros objetos que são memórias.
A sala de chá do espaço criado pela designer de interiores madeirense
De páginas abertas, são muitas as revistas que se encontram dispostas nas mesas da pequena sala que convida ao chá da tarde, para dois ou para grupos de amigos (o melhor é reservar) e decorada com telas com fotografias da década de 30 e de 40 do século XX, o retrato dos “garotos do calhau” que mergulhavam na baía da cidade do Funchal, para apanharem as moedas atiradas ao mar pelos turistas, ou a fazerem acrobacias, em troca de dinheiro. E no teto estão também suspensos pequenos calhaus feitos em feltro, à semelhança dos grandes da autoria de Nini Andrade Silva, os quais estão disponíveis para compra na loja acolhida pela capela da fortaleza cujo teto expõe uma fotografia alegórica às águas do oceano tocadas pelo sol.
As mesas corridas reforçam a importância que a mentora deste espaço projeta na partilha à mesa
No piso superior está o restaurante contemplado por uma vista com quase 360º – quase, porque um terço está reservada à sala de reuniões de Nini Andrade Silva (leia a entrevista à Mutante aqui) – e por mesas cuja maioria alude à partilha, tão apreciada pela mentora deste Design Centre. Na cozinha, está o chef eleito por Miguel Laffan, chef do restaurante do L’And Vineyards, em Montemor-o-Novo, no Alentejo, e o consultor deste espaço de restauração: Pedro Santos Almeida.
Tataki de atum da Madeira, mil folhas com chutney de manga, wasabi e salada de rábano e funcho
No alinhamento da cozinha a primazia é dada ao produto madeirense em resultado de um trabalho de pesquisa e de campo de ambos os chefs. Pela carta descobrem-se formas de cozinhar os produtos locais de forma diferente da cozinha tradicional, boas novas que conquistaram os palato dos comensais à mesa, mesmo de quem é da terra. A começar pelo Foie gras com gaiado (espécie de atum que existe ao largo da Madeira e cujo tamanho é mais pequeno do que o convencional) seco, bolo de mel, especiarias e frutos secos, uma ode aos sabores madeirenses. E tataki de atum da Madeira – que, outrora, era conservado em escabeche e hoje, é commumente servido em bife frito acompanhado pelo chamado molho vilão –, mil folhas com chutney de manga sabores que combinaram bem com o contraste dado pelo wasabi e pela frescura da salada de rábano e funcho. Duas entradas que rematam a lista com a ceviche de dourada, uma sopa de peixe do Atlântico, entre outros.
Pargo assado, migas de coentros e molho de fragateira
Do mar chegou também o muito bem conseguido pargo assado e acompanhado por migas de coentros e ovas de peixe espada – que também são fritas e tidas como um petisco na cozinha tradicional madeirense – e molho de fragateira, “o melhor de três mundos”, segundo Pedro Almeida, pois este prato representa a Madeira, a passagem pelo Alentejo e Santarém, onde nasceu. No universo dos pratos do mar entram também o polvo, as vieiras, a garoupa e o bacalhau. Na carne, Miguel Laffan e Pedro Almeida deram primazia ao magret de pato assado, ao lombo de borrego tandoori – testemunho das influências da cozinha tailandesa em Miguel Laffan –, à bochecha de porco preto – quase que a imagem de marca do Alentejo –, ao filete de novilho e ao peito de galinha fumado.
O crème brûlée pelo chef Pedro Santos
Para o fim ficou o doce crème brûlée com fava tonka, banana, gelado de baunilha, amêndoa e coco caramelizados retirado das sobremesas, uma lista que contempla o brownie de chocolate, uma brincadeira com o espada preta, tarte de maçã, cremoso de chocolate e prato de queijos.
Na carta está inscrito o menu de degustação com seis pratos e um outro traduzido num desafio ao cliente que, deste modo, é incitado a compor o próprio menu com os pratos da carta.
Tudo boas razões para (re)descobrir a Madeira e explorar a ilha de lés a lés. A ir! Boa viagem. •