Avesso, Arinto e Touriga Nacional: As tendências para o verão da Quinta de Covela

A propriedade do jornalista britânico Tony Smith e do empresário brasileiro Marcelo Lima é o epicentro das boas novas do universo vínico da centenária propriedade às portas do Douro, a par com o crescente reforço no enoturismo.

À mesa de Tormes, onde o repasto queirosiano foi acompanhado por uma dupla de referências da Covela datadas de 2013

A estação de comboio de Aregos, a Tormes de “A cidade e as serras”, de Eça de Queiroz, é o cenário bucólico à beira do rio Douro, onde o verão surge sem dar tréguas. “Está de ananases!” diria, parafraseando tão erudita figura da literatura portuguesa, assim que a carruagem deixa de tomar conta da realidade. Malas na bagageira, façamo-nos à estrada. Com a EN 108 inscrita no GPS a condução faz-se em direção à casa de campo onde o escritor permaneceu em tempos que já lá vão e se deixou conquistar pelas gentes da terra e pela terra que gera uma natureza singular, tecida pelos vinhedos sinuosos que socalcam até ao rio, e não sem antes contemplar os quatro painéis alusivos à imperativa e supramencionada obra-prima, desde a saída do n.º 202 dos Campos Elísios, na capital francesa, ao repasto com o célebre arroz de favas, o prato ex-líbris de Tormes, o restaurante da Fundação Eça de Queiroz.

Eis, então, a casa que é museu do espólio do escritor português, na Quinta de Vila Nova, pertencente à mulher de Eça de Queiroz, onde o chef António Queiroz Pinto deu azo às iguarias levadas à mesa disposta no jardim da fundação e brindadas por colheitas de truz da vizinha Quinta de Covela, situada na sub-região de Baião, na fronteira entre a zona granítica da Região dos Vinhos Verdes e a de solo xistoso dos Vinhos do Porto – “o melhor dos dois mundos” para Tony Smith.

Falamos do chamado Douro verde, a respeito do qual foram dadas as honras ao quase extinto Covela Edição Nacional Avesso 2013, um exemplar de primazia da casta autóctone desta região vinícola, o Avesso, que arrecada a reputação da centenária propriedade localizada no covelo e deu mostras em como só ganhou por ter estado mais tempo em garrafa. O mesmo se aplica ao Covela Escolha branco 2013, feito a partir das castas Avesso, de origem portuguesa, e da Chardonnay, oriunda de França, às quais é acrescentada uma pequena porção de outras duas variedade de uva, Viognier e Gewürztraminer, o vinho eleito para harmonizar com o frango alourado e o famoso arroz de favas que, há mais de cem anos, seduziu o palato de Eça de Queiroz sendo, hoje, elaborado pelo jovem chef António Pinto, que rematou o repasto com sobremesas queirosianas, como a trouxa de ovos referida em “A relíquia” e o toucinho do céu, que deu azo à célebre frase “Ah! se é do céu…”, em “O crime do padre Amaro”, além do bolo de chocolate, o gelado com mel e nozes, e a fruta.

Vinhos frescos prêt-à-boire

Os anos das colheitas numa prova acompanhada pelo enólogo Rui Cunha

No terraço contíguo à antiga casa dos caseiros recuperada num cenário romântico, de inspiração toscana, o enólogo Rui Cunha, que integrou o projeto original da propriedade em 1992 e tornou-se responsável pela criação dos vinhos da Covela desde 1998, falou sobre a sub-região de Baião, localizada mais a sul na região vinícola dos Vinhos Verdes, terminando no vale do rio Douro onde, segundo palavras de Jarkko, um finlandês de 50 anos, apaixonado pela obra literária de Eça de Queiroz que, há cerca de um ano, está a viver na Quinta de Covela, está “a rainha do vale”, a casta Avesso. A revelação foi feita pelo enólogo, que nomeou três fatores preponderantes na singularidade desta variedade de uva de origem portuguesa: O solo granítico, típico da região dos vinhos verdes, assim como a posição geográfica e a exposição solar virada a sul, que conferem o clima continental característico do Douro vinhateiro. Além de que “a casta Avesso goza de um belíssimo potencial que é o envelhecimento em garrafa” continuou o cicerone deste desfile, assegurando que será “a próxima casta que estará na moda” na Região dos Vinhos Verdes, sobretudo pela versatilidade. Mesmo assim, Rui Cunha afirmou que a Avesso “será sempre a nossa casta-batalha”, após ter recordado o primeiro engarrafamento do vinho feito a partir desta variedade de uva, um desafio iniciado em 2012.

A introdução à Avesso estava feita. Em simultâneo decorria a prova ao Covela Edição Nacional Avesso 2015, o primeiro vinho DOC da Quinta de Covela feito a partir de um lote de várias parcelas da referida variedade de uva de origem portuguesa – daí a o nome Edição Nacional, sendo que o primeiro vocábulo remeta também para a profissão de jornalista de Tony Smith – cujas características dão azo a um brinde de final de dia, assim como à harmonização com refeições leves tão apreciadas na presente estação, como o peixe grelhado e o marisco, ou o sushi e o sashimi, “e funciona bem com queijo de cabra fresco”, sugeriu Rui Cunha.

Outra casta portuguesa prosseguiu na apresentação das tendências vínicas da estação, com a referência Covela Edição Nacional Arinto 2015, um monocasta que traduz o esforço da equipa da Quinta de Covela, pois “temos de nos preocupar se os vinhos estão nas mesas”, razão pela qual é crucial “aproveitar o que a Covela tem de bom – que é esta acidez e esta frescura” de ambas as castas aqui referidas, de acordo com as palavras do enólogo que, uma vez mais, sublinhou o conjunto de qualidades das duas variedades de uvas no que toca ao envelhecimento em garrafa.

O Reserva, o Escolha e o rosé são três das cinco referências vínicas da propriedade

E porque os dias quentes convidam aos aromas frescos e florais, o trio demarcado por vinhos feitos a partir de uma casta portugueses completa-se com o Covela rosé 2015, que veio substituir o palhete – “o rosé mais escuro e mais estruturado típico da região de Baião”, explicou Rui Cunha – demarcando, deste modo, o início da era dominada pela dupla Lima & Smith. Assim, e desde a colheita de 2013 – da qual resultou o primeiro rosé, vinificado a partir das uvas de parcelas definidas para esta referência –, “a Touriga Nacional tem um perfil muito mais elegante e uma acidez muito mais marcante”, esclareceu, dando ênfase ao fato de, no país, estarem a ser feitos “rosés como o da Provence francesa”. Talvez seja a razão pela qual “estamos a exportar o rosé para mercados que já tinham o do sul de França”.

Do desfile casual o passo seguinte foi uma referência mais casual chic, com o Covela Escolha branco 2014. “Foi um dos primeiros brancos que ‘deu nome’ à quinta” e é feito a partir de um blend de castas portuguesas e estrangeiras. “A base é Avesso – 60 por cento”, afirmou o enólogo, passando para a Chardonnay (30 por cento) – “bastante plástica”, daí que seja plantada em rodo o mundo –, a portuguesa Arinto e a Gewürztraminer, da região da Alsácia, em França. É, por conseguinte, “um vinho mais cozinhado (…) com um estilo leve, mas com mais presença em boca”, daí que seja “um bom garfo” na harmonização de pratos um pouco mais temperados quando comparado com o trio anterior — para servir entre os 8º e os 10º C de temperatura –, graças ao potencial que revelou ter devido ao estágio feito em garrafa. Ou seja, o Escolha da Quinta de Covela “só sai para o mercado quando está ‘no ponto’ para ser consumido”. Até lá, o vinho estagia em garrafa, um “grande encargo” para a dupla Lima & Smith, o qual compensa a posteriori.

Já o Covela Reserva branco 2013 fica para as estações frias que hão de chegar no fim deste ano.

De portas abertas aos enófilos

A paisagem idílica circunscreve o declive dividido entre vinhedo, floresta e pomar

Mas as boas novas deste verão não param por aqui ou não fosse este paraíso erigido pela natureza na cova que, segundo o senhor António, o caseiro da quinta há quatro décadas, é a génese do nome covela.

Ornamentada por vinhas curvilíneas que preguiçam até ao rio Douro, uma floresta densa e um pomar cravejado de limoeiros, laranjeiras, cerejeiras, macieiras, pereiras, entre as demais árvores de fruto, a Quinta de Covela, localizada na região vitivinícola dos Vinhos Verdes, soma 49 hectares, dos quais 19 estão ocupados pelo vinhedo, com a Arinto, a Chardonnay, a Viognier, a Gewürztraminer e, sobretudo, a Avesso nas castas brancas, e a Touriga Nacional, assim como a Cabernet Sauvignon, a Cabernet Franc e a Merlot Noir, as principais castas tintas dos vinhos de Bordéus. O cenário perfeito para uma visita guiada, que dará a conhecer a história da propriedade e dos vinhos ali produzidos, precedida por um programa adaptado, com provas de vinho informais, almoço, piquenique e jantares com fado que, caso o tempo esteja de feição, poderão ser a céu aberto, ou seja, na antiga Casa de Covela formada pelas ruínas do solar renascentista, a capela e os lagares, os quais testemunham a ancestral produção biológica de vinho desta quinta e, ao mesmo tempo, a sua importância histórica.

Há, porém, a possibilidade de fazer uma visita livre pela propriedade, o chamado “o casual tasting nas palavras de Tony Smith, em que os visitantes vão, de copo na mão, “beber o silêncio” e desfrutar da paisagem enquanto passeiam pelos caminhos delimitados pelas vinhas, pelas ruínas e pelo moinho bem perto do caminho para o miradouro, no qual Jarkko planeia ativar ainda este verão.

O virar da página

Na adega repousa o vinho após a fermentação das uvas colhidas à mão durante a vindima

Datada do Século XVI, a antiga Casa de Covela é o ponto de partida de uma quinta secular que, outrora, esteve nas mãos do mui ilustre cineasta portuense Manoel de Oliveira, o mentor da transformação da propriedade, pois erigiu aquedutos, muros maciços e eiras de granito para secar o milho cultivado na propriedade atravessada por uma ribeira sem nome, além da casa principal e da adega – hoje revestidas pelas heras trepadeiras –, traçadas em papel e ampliadas pelo realizador português.

No final dos anos 1980’, a Quinta de Covela, na margem direita do baixo Douro, com uma forma topográfica em anfiteatro exposto a sul, passou para o empresário Nuno Araújo que investiu na vinha e nos vinhos, dando origem à marca Covela e, em 2011, é adquirida por Tony Smith e Marcelo Lima – proprietários, desde junho de 2013, da Quinta da Boavista, perto da vila do Pinhão, e da marca Quinta das Tecedeiras, situada a oito quilómetros a montante do Pinhão, contando com a prestação do enólogo Carlos Lucas –, que foram buscar a antiga equipa para trabalhar, de novo, na Quinta de Covela, em particular Rui Cunha, que acumula as funções de enólogo na Quinta da Boavista, ao lado do enólgo consultor francês Jean Claude Berrouet, e não “arreda pé” da propriedade da covela durante a vindima, feita à mão, por parcela e por casta, sendo as uvas levadas para adega localizada no coração da quinta, onde é feita a fermentação ora em barricas de carvalho, ora em cubas de inox, para os vinhos Covela Edição Especial, Covela Escolha, Covelha rosé e Covela Reserva. Nos anos em que a colheita revela uma qualidade excecional, é produzido o Covela Fantástico, como é o caso de 2014, do qual resultará um branco e um tinto desta referência a apresentar em outubro de 2017.

De volta às visitas guiadas, estas são asseguradas a grupos até 12 pessoas e estão sujeitas a marcação prévia através do 254 886 298 ou de info@covela.pt, “o que não quer dizer que não recebamos quem vem da rua”, afirmou Tony Smith. Tudo boas razões para (re)descobrir o Douro. •

+ Quinta de Covela
© Fotografia: João Pedro Rato
Legenda da foto de entrada: Tony Smith, um dos proprietários da Quinta de Covela, com o Covela Escolha branco 2014, e Rui Cunha, o enólogo da propriedade desde 1998, com o Covela Edição Nacional Avesso 2015

Já recebe a Mutante por e-mail? Subscreva aqui .