“Cozinhar é pôr a minha alma num prato, é tocar os corações dos clientes com o sabor” / Chef Michel van der Kroft

Raviolis recheados com Queijo da Serra da Estrela é uma homenagem à mulher, Maria do Céu, por quem se apaixonou há 25 anos. Desde então, ficou seduzido por Portugal e pelos produtos nacionais, dos quais se define como embaixador no ‘t Nonnetje, o restaurante do centro histórico de Harderwijk que, em Novembro de 2016 conquistou, pelo segundo ano consecutivo, duas estrelas Michelin e, por essa razão, só em 2017, já pisou solo português em Abril, para um jantar no Feitoria (1 estrela Michelin), no Altis Belém Hotel & Spa, em Lisboa, e repetirá o acto em Junho, no Funchal, por ocasião da Rota das Estrelas, no Belmond Reid’s Palace, assim como em Agosto, para um jantar ao lado de Vítor Matos, no Vidago Palace Hotel.

Três horas em ponto e já o chef holandês Michel van der Kroft, um dos convidados para a grande noite da Kitchen Party, no Vila Vita Parc, em Porches, por ocasião do Fine Wines & Food Fair deste ano, e a mulher, Maria do Céu, nos recebiam no exterior do Café Bica, para uma entrevista.

Raviolis recheados com Queijo da Serra da Estrela, cebolinha, manteiga de sálvia, cogumelos morilles, flores de calêndula orgância que trouxe da Holanda foi o prato escolhido para o Kitchen Party. Posso pedir-lhe para o ‘desconstruir’?
É o prato que está mais perto da minha alma e está no nosso menu há quatro anos e é uma homenagem à minha esposa, porque os raviolis são recheados com Queijo da Serra da Estrela, onde a Céu nasceu. É um prato simples com ingredientes equilibrados, mas o mais importante é o sabor. Os holandeses adoram este prato. Já o cozinhei várias vezes em Portugal, nas Rotas das Estrelas e noutras situações, e as pessoas adoram.

“(…) o ‘t Nonnetje não é um restaurante português, mas sim um restaurante com uma cozinha de influências portuguesas.”

Quando vão ao t’Nonnetje… a propósito, qual é o significado do nome?
É A freirinha, porque o t’Nonnetje é um edifício onde morava uma freira, há muitos anos.

Retomemos. Quando vão ao ‘t Nonnetje, os holandeses já sabem que o chef utiliza produtos portugueses?
Os clientes sabem, mas nem sempre foi assim. Eu e a minha esposa estamos apaixonados há 25 anos, portanto, a influência portuguesa é cada vez mais visível na minha cozinha. Além disso, os meus colegas convidam-me cada vez mais para cozinhar com eles e, por isso, nós gostamos, cada vez mais, de vir aqui, a Portugal, para cozinhar nas Rotas das Estrelas com amigos e outros chefs, mas o t’Nonnetje não é um restaurante português, mas sim um restaurante com uma cozinha de influências portuguesas.

A alma portuguesa está, portanto, muito presente no menu do restaurante.
Cada vez mais! Com o polvo à lagareiro, por exemplo. Já tivemos um amuse bouche que era um caldo verde desconstruído e servido frio, temos presunto de porco preto do Alentejo, os raviolis. Já tivemos um amuse bouche de pão tostado com sardinha e creme de pimentos vermelhos, o prato mais português, e um prato inspirado em produtos da Madeira. Portanto usamos, cada vez mais, esta influência portuguesa e as pessoas gostam muito.

“Cozinhar é mais do que o meu trabalho, é o meu modo de vida. Cozinho com o meu coração.”

Podemos dizer que são pratos únicos na Holanda.
Durante muitos anos, desenvolvi a minha identidade no prato. Faço pratos que mais ninguém faz na Holanda, como o carabineiro com bacalhau e azeite de chouriço, outro dos pratos que criei, em que deixei a cabeça do carabineiro. Na Holanda, as pessoas não estão habituadas a chupar a cabeça do carabineiro mas, quando explicamos o prato, digo aos clientes para chupar a cabeça no fim, porque todo sabor do carabineiro está na cabeça.

Para o chef, a cozinha é um estado de alma.
Cozinhar é mais do que o meu trabalho, é o meu modo de vida. Cozinho com o meu coração. Cozinhar é pôr a minha alma num prato, é tocar os corações dos clientes com o sabor e, quando isso acontece, fico muito feliz. Eu quero fazer pratos que ninguém faz e sou o único na Holanda que utiliza produtos portugueses.

Há uma frase que o chef Michel van der Kroft diz: “Sou o único chef holandês que trabalha produtos portugueses”.
E com muito orgulho!

O encontro inimaginável para o chef Michel van der Kroft e o produtor de vinhos da Bairrada, Luís Pato

Sente-se embaixador dos produtos portugueses na Holanda?
Claro! E não só dos produtos portugueses. Sinto-me mais português do que holandês. Também sou embaixador dos vinhos portugueses. Há vinhos de cá que me deixam ficar entusiasmado, como os de Dirk Niepoort, que é um grande amigo nosso. Os vinhos do Dirk [Niepoort] são muito bons e ficam muito bem com o meu estilo de cozinha, assim como os vinhos de Luís Pato e os da filha, Filipa Pato, que os fazem impecavelmente. Quando estamos de férias em Portugal e vamos a um restaurante, só queremos vinhos com castas portuguesas. Não queremos um Chardonnay ou um Syrah de Portugal, queremos a Tinta Roriz, a Touriga Nacional… Sou embaixador dos portugueses, porque acho que são muito queridos, muito hospitaleiros, muito humildes e estes valores são fantásticos para nós. Portugal tem muita qualidade de vida, bom tempo, bom produto, bom vinho, boa gente. É um país maravilhoso!

Do que mais gosta de comer da cozinha tradicional de cá?
Tanta coisa! Polvo à lagareiro e o Queijo da Serra da Estrela, claro! Arroz de cabidela, que é tão bom! Gosto de carne alentejana, das sardinhas, do robalo grelhado inteiro e também em crosta de sal, de peixe – muito peixe –, frango do campo, cabrito da Serra da Estrela, amêijoas à Bulhão Pato. Pratos simples e bons.

Há muitas diferenças entre as cozinhas portuguesa e holandesa…
São totalmente diferentes, sobretudo em relação aos produtos. O que acho mais estranho é Portugal é um País com mar, assim como a Holanda, mas os holandeses comem muito pouco peixe, enquanto cá come-se muito peixe e é tão bom! Outra grande diferença é o amor pela gastronomia – pela comida, pelo bom vinho. Aqui é muito grande! Nós, na Holanda comemos porque temos de trabalhar.

O hábito de estar à mesa, como o nosso, faz parte da cultura holandesa?
(Maria do Céu) Não… Está a mudar, mas não está na cultura. O hábito de comer à mesa, de saborear, só acontece em dias festivos.

Voltemos ao peixe.
Os holandeses só querem comer filetes de peixe sem espinhas, enquanto aqui come-se inteiro e tiram-se as espinhas. Além disso, na Holanda, os barcos de pesca são muito grandes e vão para alto mar durante cinco dias, ou seja, vão à Segunda e voltam à Sexta, daí que o peixe que é vendido ao Sábado já não é fresco. É tudo ‘pescado’ à rede e vem mais esmagado. Aqui, os barcos são mais pequenos, vão à noite e chegam de manhã fresco, e há muito o hábito da pesca à linha.

“No mundo da gastronomia há muitos pratos que são cópias, por isso quero fazer, com a minha equipa, os meus próprios pratos.”

Quando começou com os produtos portugueses no ‘t Nonnetje?
Foi há cinco anos, com os raviolis e o carabineiro. Desde então, cada novo menu tem cada vez mais pratos com produtos portugueses. Aqui há uma coisa importante que gostaria de dizer: No mundo da gastronomia há muitos pratos que são cópias, por isso quero fazer, com a minha equipa, os meus próprios pratos. Portanto, ao introduzir pratos e produtos portugueses no restaurante, consigo atribuir uma identidade à nossa cozinha, que é única na Holanda.

Por que razão escolheu o Queijo da Serra como o primeiro a integrar a lista de prioridades do restaurante?
Porque desde o princípio, ou seja, há 25 anos, que sou um grande fã deste queijo. Em casa dos meus sogros, o pequeno-almoço era pão bom, queijo, marmelada e, para mim, é o melhor pequeno-almoço que há! E, quanto ao queijo, pensei o que poderia fazer com ele. Como sempre fiz raviolis de tudo – adoro raviolis e adoro fazê-los –, um dia pensei ‘porque não fazer o recheio dos raviolis com o Queijo da Serra da Estrela?’ Desde então, o prato tem feito um grande sucesso!

Qual o grau de exigência dos holandeses que procuram um restaurante de fine dining?
Muitos holandeses vão comer nos restaurantes com estrelas Michelin, porque querem comer num restaurante com estrelas Michelin. Os belgas são diferentes, são parecidos com os portugueses, que vão para um restaurante com estrela Michelin, porque querem comer bem.

“O que eu vejo é que os chefs portugueses são, cada vez mais, embaixadores e muito mais orgulhosos em relação aos produtos portugueses no estrangeiro.”

Como vê o desempenho que tem vindo a ser feito pelos chefs, em particular, pelos que trabalham em restaurantes com estrela Michelin, em Portugal, a respeito da cozinha portuguesa?
O que eu vejo é que os chefs portugueses são, cada vez mais, embaixadores e muito mais orgulhosos em relação aos produtos portugueses no estrangeiro. E Isso é muito bom! O contacto que tenho aqui, para mim, é ouro. Já fiz vários jantares a quatro mãos com o [chef do Antíqvvm, com 1 estrela Michelin, no Porto] Vítor Matos, o [chef do Feitoria, com 1 estrela Michelin, em Lisboa] João Rodrigues, dois amigos nossos… Pode até parecer estranho, mas tenho mais contacto com os chefs portugueses do que com os meus colegas na Holanda. Claro que tenho amigos que são chefs holandeses, mas sinto que aqui, em Portugal, os chefs são mais unidos, fazem mais eventos juntos. Não temos uma Rota das Estrelas. Temos outros eventos na Holanda, mas não como aqui.

Para quando a vinda definitiva para cá? Se é que essa mudança está nos planos do chef.
Na minha carreira tudo foi sempre muito planeado. Há onze anos que trabalho no ‘t Nonnetje e meu o patrão dá-me muita liberdade para eu fazer o que gosto, o que quero fazer na cozinha, e ajuda-me muito a realizar os meus sonhos. Por isso, sinto uma lealdade para com ele, o que acho muito importante, e quero fazer melhor o que estou a fazer no restaurante. Mas um dia, quem sabe. Portugal é o País dos meus sonhos, dos nossos sonhos, no futuro. •

+ ‘t Nonnetje
+ © Fotografia: João Pedro Rato

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