As evidências do azeite à prova por Ana Carrilho / Esporão

A qualidade do sumo da azeitona é requisito supremo desde o início da sua produção, na década de 1990, pelo produtor alentejano. As boas práticas, centradas no respeito pela natureza e pelas variedades portuguesas, são desenhadas desde a árvore à garrafa, com o imperativo de educar o consumidor.

Couve-rábano e azeite Esporão Virgem Extra Biológico, prato da autoria de Stephanie Audet, proprietária e chef do restaurante Senhor Uva, situado em Lisboa, e elaborado por ocasião desta apresentação no Mercado de Arroios

A origem do azeite [Az-Zait, vocabulário árabe, cujo significado é sumo de azeite] do Esporão advém do Brasil. A premissa era produzir um produto de qualidade. “Na altura, o Esporão decidiu que devia mostrar logo azeite de qualidade e produção de azeitona” e “que fosse desenhado desde a árvore até à garrafa”, começa por contar a oleóloga Ana Carrilho, Directora de Produção dos azeites do Esporão.

O caminho começou em 1997, com a criação da unidade de azeite do Esporão, em Serpa, na região de Denominação Origem Protegida (DOP) Moura, no distrito de Beja. O ponto de partida foi a aquisição da Sociedade Produtora de Azeites do Alentejo. Porquê Serpa? “Porque era o coração do azeite do Alentejo e onde existia mais olival, e criar ali um lagar, para que ficasse mais perto do olival”, explica Ana Carrilho. 

Um irresistível aioli, com azeite Esporão Virgem Extra Galega Biológico, acompanhado de vegetais da estação, de André Cabrita, chef ao domicílio

“Fomos os primeiros a ter dois azeites monovarietais, que ainda existem. São o Galega e o Cordovil” e ambos são virgem extra. A justificação dada pela oleóloga prende-se com o facto de, já no vinho, ser comum falar-se das castas, ao contrário do que acontecia no mundo do azeite, em Portugal, onde o desconhecimento em relação às variedades do fruto da oliveira era uma realidade quase transversal a todo o país. Seria, portanto, “uma forma de comunicar as variedades de azeitona portuguesas” e de simultaneamente contribuir para a educação do consumidor. 

O carácter pioneiro do Esporão, naquela época, também está relacionado com a escolha de garrafas escuras. “Perto dos anos 2000, decidimos criar uma garrafa única, uma garrafa icónica, que, hoje, existe e que era algo diferente.” Esta acção permitiu a criação “de um patamar de azeites premium, que não existia”, reforça.

A história, tida na ponta da língua, é revelada com o entusiasmo de uma estreante nestas lides, mas o conhecimento sobre o azeite é revelador a cada palavra proferida ao longo da transmissão de saber, em pleno Mercado de Arroios, o palco eleito para uma prova de azeites biológicos do Esporão. Afinal, só década e meia após o início deste processo por parte daquela empresa intrinsecamente ligada a Herdade do Esporão, em Reguengos de Monsaraz, no coração do Alentejo, isto é, em 2013, é que Ana Carrilho integra a equipa ligada à produção de azeite. A porta de entrada foi aberta por João Roquette, CEO do Esporão, que a desafiou a criar um lagar de azeite. A mudança do lagar de Serpa para a Herdade do Esporão, em Reguengos de Monsaraz, ocorreu em 2016, no sentido de veicular a proximidade com o olival da propriedade.


As variedades portuguesas, o biológico e o terroir

Azeite virgem extra biológico Quinta dos Murças (feito a partir das azeitonas do olival da referida propriedade duriense pertencente à Esporão), Olival dos Arrifes e Selecção

O azeite virgem extra biológico Olival dos Arrifes estreou a ligação das palavras azeite e biológico, na garrafa. “Foi o primeiro produto biológico da Herdade do Esporão, que foi lançado em 2014” e logo associado à designação do seu terroir, palavra, até então, sem ligação a este produto alimentar. 

O nome do olival tem origem no facto do seu solo ser muito pedregoso, predominantemente de xisto. Foi plantado em 2006, com as variedades Cobrançosa – originária de Trás-os-Montes, mas que “está bem adaptada ao Alentejo, por causa do solo” – e Arbequina, e, desde 2009, está certificado em modo de produção biológico. 

A aposta aumenta na produção de azeite biológico, com o objectivo de defender as variedades nacionais de azeitona e o modo de produção. Hoje, “trabalhamos com quase 70 fornecedores de azeitona diferentes. Metade deles, neste momento, já são biológicos.” A respeito da outra parte, Ana Carrilho reforça a esperança de virem a ter essa certificação, “porque achamos que faz sentido, principalmente num olival”

É precisamente destas explorações olivícolas familiares e tradicionais do Norte do Alentejo, de onde provém a matéria-prima. São “olivais muito antigos e onde ainda se encontra grande parte da Galega”, reforça Ana Carrilho, a qual juntamente com a Cobrançosa, constituem a produção do azeite DOP Norte Alentejano.

Já o Azeite Virgem Extra Biológico é o mais recente no portefólio do Esporão e o terceiro da gama da empresa a receber a certificação biológica. A sua produção é constituída maioritariamente pela variedade Galega, que está em Portugal há mais de dois mil anos e é apanhada em olivais tradicionais alentejanos, com oliveiras centenárias e certificado em modo de prodição biológica, previamente seleccionados.

Quanto à colheita da azeitona, “começamos a apostar em colher a azeitona cada vez mais cedo”. Esta está a iniciar-se em Outubro, devido às alterações climáticas, mas também para evitar as pragas e doenças, que advêm dessa mudança. “Portanto, estamos a inverter completamente o processo.”

Apanhada a matéria-prima, esta vai para o lagar de azeite, na Herdade do Esporão, onde é feita a escolha e a separação, de acordo com as variedades, a origem e a variedade. São pesadas, lavadas e submetidas à moenda. Ao contrário do que acontecia antigamente, em que “davam calor, para extrair o azeite”, hoje, esse processo é feito através de um sistema frio. Findo este processo, este produto alimentar é filtrado, seguindo-se a criação de cada lote – à excepção dos monovarietais Galega e Cobrançosa –, processo que termina com o seu engarrafamento. 

“Todos os azeites virgens foram extraídos de forma mecânica. Não se adiciona rigorosamente nada”, sublinha Ana Carrilho, que refere o baixo rendimento da azeitona: “são precisos entre cinco a sete quilos de azeitona por cada garrafa de meio litro.”

O azeite puro, ou seja, o sumo da azeitona, “tem uma quantidade de antioxidantes, é como que um exército”, cujas faculdades dependem das variedades da azeitona, além de que exercem influência na durabilidade do azeite em garrafa. “A azeitona Galega é uma daquelas variedades – que é nossa – únicas do mundo, que tem um exército muito grande, mas, normalmente, associa-se a esses exércitos dos antioxidantes, a azeites amargos e picantes, e a Galega é das poucas variedades no mundo que é doce e resiste muito tempo em garrafa.” 


Tapar, aquecer, cheirar e saborear

O copo de cor azul cobalto é utilizado nas provas destinadas à análise sensorial dos azeites

Em qualquer painel de provadores de azeites, a prova é feita em copos azuis. Ao contrário do que se possa pensar, a cor deste produto é secundária, sendo a análise sensorial imperativa neste contexto. “E porque é que é obrigatório? Primeiro, porque come-se e bebe-se”, mas também porque o desconhecimento, por parte de muitos, continua a ser uma realidade actual, apesar de, já em 1984, se ter criado a análise sensorial do azeite, “para que protegesse o consumidor” e “mostrar, a quem faz os azeites, qual é o caminho e o caminho é produzir azeite de azeitonas frescas”. Segundo Ana Carrilho, esta acção teve consequências positivas, no que à produção deste produto alimentar diz respeito e “os produtores acabaram por terem uma forma de produzir azeites de melhor qualidade.”

“É curiosos que, há quase 200 anos, existia um documento real, emitido pelo rei, para dar ordem ou autorização, para o mestre do lagar poder fazer azeite. Hoje em dia, não é necessário. Qualquer um pode fazê-lo, desde que tenha dinheiro e máquinas, para o fazer. Agora vejam: há 200 anos, era preciso fazer provas e ter conhecimento, para conseguir extrair um bom azeite. Passados 200 anos, não temos isso. Aliás, não temos tanta coisa!” Ana Carrilho considera uma falha a inexistência de uma cadeira de azeites nas escolas de cozinha, em Portugal, sobretudo por estarmos num país tradicionalmente de produtores e consumidores deste alimento. 

Mas vamos à prova. Com o copo de cor azul cobalto já com cerca de 15 mililitros de azeite, tapa-se o recipiente, com uma mão, e aquece-se, colocando a outra por baixo, até à temperatura e 28 °C. A finalidade é evitar que os componentes que conferem os aromas e o sabor do azeite fiquem confinados no copo, para, posteriormente, poder-se captar as suas notas mais ligeiras. 

Move-se ligeiramente o azeite, inspira-se e sorve-se uma pequena porção. Engole-se, sem pressas, para que este líquido dourado preencha a cavidade bocal e desça pela garganta, para apreciar e identificar aromas e sabores. Entre cada azeite provado, bebe-se água e come-se uma fatia de maçã verde, com a finalidade de limpar o palato.

Este procedimento serve, também, para identificar eventuais defeitos, como o que acontece com o chamado “azeite lampante” outrora utilizado nas lamparinas, devido à sua má qualidade. Este resulta da extracção feita em azeitonas em muito mal estado e que entraram em processo de fermentação antes de irem para o lagar.

André Cabrita confeccionou este bacalhau e pil-pil com azeite Esporão Virgem Extra Biológico

Por isso, Ana Carrilho enaltece a aposta no consumo de azeite de qualidade e que deve ser feito durante o ano que se segue à campanha. “Quanto mais novos são os azeites, melhor, embora alguns azeites mais agressivos possam melhorar, evoluir, suavizar os seus componentes com o tempo.” E evidencia a qualidade dos olivais antigos, tradicionalmente de sequeiro, uma herança a preservar, ou não fosse “a agricultura é uma exercício muito grande de humildade”.


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© Fotografia: João Pedro Rato

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