Anselmo Mendes e António Maçanita em provas únicas no Algarve

Algarve Trade Experience voltou a contar com momentos muito especiais

Há vários anos que a passagem do inverno para a primavera é momento de rumar ao Algarve para conhecer as últimas tendências do mundo vinho e das bebidas espirituosas e ficar a par do que nos espera na próxima temporada. 2024 não foi diferente e lá rumámos nós para a 10ª edição do Algarve Trade Experience que este ano se realizou nos dias 26 e 27 de fevereiro, no Estádio Algarve, e contou com a presença de mais de 6 mil visitantes, entre os quais 3 mil profissionais do setor do vinho e das bebidas espirituosas.

Para além da animação que costuma marcar presença no Algarve Trade Experience, que já passou por várias localidades e diversos espaços emblemáticos do Algarve, este é a oportunidade para encontrar os grandes dinamizadores do setor da restauração algarvia.

Outra grande referência d0 Algarve Trade Experience são as manhãs dedicadas às masterclasses e às provas de vinho onde é possível encontrar grandes nomes do setor.

Parcela Única, uma viagem pelo Alvarinho de Anselmo Mendes

Após dez anos de muitas maturações e experiências com Alvarinho, apoiadas pelos pais viticultores que forneciam as uvas, Anselmo Mendes, decide criar a sua própria empresa de vinhos em 1997. A aquisição de uma quinta, em Melgaço, foi um dos primeiros passos que deu rumo à criação de uma marca da Região dos Vinhos Verdes que tem conquistado grande prestígio nacional e internacional. 

Durante os primeiros dez anos produziu vinhos como o Muros de Melgaço ou o primeiro Alvarinho de curtimenta com a marca Muros Antigos produzidos numa adega bastante artesanal. Em 2008, comprou a propriedade dos seus sonhos, a Quinta da Torre, em Monção. Reestruturou a vinha, – que hoje tem 50 ha e produz exclusivamente Alvarinho – e construiu uma nova adega.

Em 2009 apresenta o icónico Parcela Única e atualmente tem a maior área de Alvarinho em Monção e Melgaço, gerindo cerca de 130 ha entre vinhas próprias e vinhas com arrendamento de longa duração.

Um branco ímpar de uma só parcela

Resultado do estudo dos diferentes solos e parcelas e da própria casta Alvarinho, da Quinta da Torre localizada em Monção, este vinho é a expressão do que a terra dá. A Vinha do Paço foi a selecionada. Localizada num vale de aluvião, protegida dos ventos atlânticos pelos montes, o clima é temperado e os solos profundos são constituídos maioritariamente por granito “podre”.

A ficha técnica anuncia que 10 anos é o tempo aceitável para guarda, mas a avaliar pela amostra esse tempo estará a pecar por defeito.

Há prova tivemos seis vinhos, todos de ano ímpar, de 2021 a 2011, do mais novo para o mais velho. Com a madeira muito bem integrada, cremosidade nos aromas e no paladar, estes vinhos vão ficando mais complexos à medida que os anos avançam mantendo uma acidez muito equilibrada. Na minha opinião o de 2013 era um pouco mais curto e menos vibrante, em contrapartida o de 2011 está com um caramelo amargo a fugir para o salgado muito bom.

Durante a prova, Anselmo Mendes foi elencando alguns dos desafios para o futuro, destacando o “descontrolo climático”, que, quando menos de espera, ora faz calor quando devia fazer frio e vice-versa, passando pelos escaldões e pelo granizo e a necessidade de redes de proteção contra os pássaros, que, em bando vindimam vinhas inteiras em minutos. “O vinho é um negócio a céu aberto que nos leva das dores de cabeça ao prazer”, remata Anselmo Mendes.

O Atlântico de António Maçanita

Lisboa é berço. A história é conhecida. António Maçanita queria ser Biólogo Marinho, mas bastou colocar os códigos do curso errados nos documentos da candidatura ao Ensino Superior, para entrar em Engenharia Agroindustrial, licenciatura que o encaminhou para a paixão pela viticultura, no Instituto Superior de Agronomia, na cidade-natal. Desde então, a vida deste enólogo e produtor tem sido um desafio constante, com viagens de estágio no currículo, para os Estados Unidos, Austrália e França. 

O primeiro estágio em Portugal tem lugar em 2003, na Herdade da Malhadinha Nova, em Albernoa, no distrito de Beja. Esta aventura é partilhada com dois amigos, Frederico Vilar Gomes e Cláudia Favinha. O ano seguinte é marcado pela fundação da FitaPreta Vinhos, projeto partilhado com o grande amigo e viticultor inglês David Booth. O objectivo é rejuvenescer as castas antigas, deixadas ao abandono, acção que lhes ditava o iminente desaparecimento, e enaltecer o potencial de cada uma no copo.

Desta amizade nasce, em 2004, o vinho Preta, que marca a estreia de António Maçanita nestas andanças vínicas em nome próprio. A Maçanita Vinhos inicia em 2011, no Douro, com a irmã, Joana Maçanita.

Mas é de saltar no tempo até 2010, ano do projecto de recuperação da casta Terrantez na Ilha do Pico, Património Mundial da UNESCO, que dista “1700 quilómetros da costa portuguesa em linha recta de Lisboa”, afirma o enólogo. Este passo determina o início do percurso de António Maçanita no arquipélago dos Açores – embora já tivesse enxertado uma vinha na Ilha de São Miguel em 2000. A Fundação da Azores Wine Company, com Paulo Machado e Filipe Rocha, fica registada em 2014. 

A recuperação das vinhas do Pico começa no ano seguinte, mas a dificuldade acrescida, pelo facto de não existir solo, é um desafio ao qual António Maçanita prontamente dá resposta. Os currais – nome atribuído às parcelas muradas, onde são plantadas as videiras – emprestam a sua beleza à orografia da ilha e bem perto do Atlântico. Já do oceano vêm a maresia, que empresta a salinidade aos vinhos, e o vento. Este último tem como barreira o Pico. Com 2531 metros de altitude, o ponto mais alto de Portugal, favorece a formação de nuvens. “À volta do Pico chove mais do nos Alpes”, compara António Maçanita. 

Oceano velho, oceano vivo

A prova disto tudo reflecte-se no trio composto pela colecção de vinhos feitos a partir de castas raras. É o caso do Arinto dos Açores Sur Lies 3 Colheitas, vinho lançado em 2023. O potencial salínico envidencia-se ainda mais no Arinto dos Açores Solera. O diferencial acresce no Da Pedra Se Fez Espumante Cuvée 2. Já o Canada do Monte branco 2021 é prova viva de castas exclusivamente açorianas, cujas uvas nascem em plantas que outrora resistiram à filoxera.

O Vinha dos Aards branco 2020 é feito a partir de castas cujas plantas estão na primeira linha do oceano. Os dois últimos são vinhos nascidos no mar, mas todos são “vinhos de vulcão e não vinhos vulcânicos”, adianta António Maçanita.

Dos Açores, o enólogo e produtor vitivinícola ruma ao arquipélago da Madeira. Localizado “ligeiramente abaixo de Casablanca”, em Marrocos, e a 1100 quilómetros da costa de Portugal continental, tem como bandeira a ilha dos “villões”, nome que os locais de Porto Santo chamam aos naturais da Madeira. Daqui, prova-se o Tinta Negra Vale de São Vicente tinto, feito a partir desta casta vindimada em solos ácidos e vulcânicos, em vinha disposta em latada (condução da vinha na horizontal), como manda a tradição madeirense, e com cerca de quatro décadas. A vinificação faz-se na Adega Regional de São Vicente.

Este vinho faz parte da Companhia de Vinhos dos Profetas e Villões. A génese desta empresa está centrada na exploração dos vinhedos existentes em Porto Santo por parte de Nuno Faria, sócio e Director de F&B do Grupo 100 Maneiras, que, em tempos de pandemia, desafia António Maçanita a vinificar uva desta ilha. Ao contrário do passado, aliado a um registo de 350 hectares de vinha, hoje, este pedaço de terra insular tem apenas 15 hectares de vinha ocupados pelas castas brancas tradicionais: a Caracol (dez hectares) e a Listrão (cinco hectares).

A ilha de Porto Santo, com mais de 14 milhões de anos e três mil habitantes (a Ilha da Madeira tem 300 mil), apresenta um solo predominantemente calcário. Este “acumula água durante o Inverno e ‘oferece’ essa água no Verão” às videiras. A este factor natural, o enólogo e produtos vitivinícola reforça a falta de altitude e o clima seco, à semelhança do que acontece no interior do Alentejo, e a implementação do processo de “viticultura atlântica”. Isto é, “as videiras têm de ser rasteiras” e são instalados caniçais ou muros, para proteger as plantas do vento. 

Da perseverança da dupla António Maçanita e Nuno Faria resultam vinhos interessantes, como o Listrão dos Profetas branco 2022, em que a casta provém de vinhas com mais de 80 anos; e o Caracol dos Profetas branco 2022, cuja matéria-prima é colhida de vinhas com idades compreendidas entre os 40 e os 80 anos. Mas é o Crosta Calcária dos Profetas branco 2022, feito a partir de ambas as castas, vindimadas na zona Norte de Porto Santo, que se destaca como um grande vinho gastronómico, com origem em Porto Santo, que, para António Maçanita, é “um oceano velho”, enquanto “o Pico é uma oceano vivo”.

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