Descer de elevador entrar num espaço preto e sentir os pés no tapete. “Parece que estamos numa sala de jantar”, explica o arquitecto transmontano António Belém Lima, responsável pela arquitectura de interiores da Cozinha da Clara, o novo restaurante da Quinta de la Rosa, no Pinhão.
O conforto traduzido pelo traço depurado do arquitecto António Belém Lima
A Quinta de la Rosa, produtora de vinhos do Porto, desde 1815, e do Douro em pleno Alto Douro Vinhateiro – declarado como Património Mundial da Humanidade, em 2001, pela UNESCO, classificação obtida também graças à altura magistral dos muros que sustentam os socalcos da mais vetusta vinha da quinta, o Vale do Inferno – tem, agora, um restaurante sobre o rio Douro, criado em homenagem a Claire Feuerheerd (1906-1972), a quem a Quinta de la Rosa foi oferecida como presente de baptizado e avó de Sophia Bergqvist, co-proprietária e gestora da propriedade duriense.
O retrato de Claire Feuerheerd a quem, no início do século XX, foi oferecida a Quinta de la Rosa
Na dita sala de jantar um par de cadeiras de costas altas antigas decoram o espaço ao lado do retrato de Claire Feuerheerd pintado a óleo complementadas por peças de decoração de Sophia Bergqvist, recordações de de tempos idos e sempre com muitas histórias para contar.
Olhemos em frente. Ao fundo, a identidade gráfica do logótipo Cozinha da Clara reporta à caligrafia de Claire Feuerheerd, retirada “de uma carta de Nápoles”, afirma o arquitecto. Em simultâneo, há o branco, que invade o olhar, assim como a garrafeira disposta meticulosamente sob o logótipo do restaurante. Em frente, o balcão de cor alva serve de apoio durante os repastos e ao buffet do pequeno-almoço. O pavimento é representado, por sua vez, pelo xisto. “É o chão do Douro”, como lhe chama o arquitecto.
Pelo meio, a gigantesca abóbada revestida a madeira remete para o conforto, representa a hospitalidade, nas palavras de António Belém Lima, atrás da qual se encontra a estrutura adequada à acústica, “um elemento preponderante” para o arquitecto. E, do lado direito, abre-se uma varanda imensa, “um elogio ao Douro”, pois mostra a paisagem cravejada de vinhedos e de floresta que lhe faz jus, porque “a arquitectura oi se mete connosco ou nós com ela”, sublinha.
Uma cozinha para os hóspedes e para o Mundo
Pedro Cardoso, o chef da recém-inaugurada Cozinha da Clara
Assim é a Cozinha da Clara, um espaço de portas abertas aos hóspedes da Quinta de la Rosa e para quem vem de fora, localizado à entrada da Quinta de la Rosa, ou não fosse Claire Feuerheerd conhecida pela hospitalidade e pelo gosto nato que denotava pela boa comida. Livros de cozinha francesa testemunham essa grande paixão, convertendo-se num legado prezado e preservado na sala de jantar da casa principal da propriedade. Do mesmo património gastronómico eram, em tempos, retiradas receitas feitas com a devida minúcia por Maria da Conceição, a cozinheira de outrora da Quinta de la Rosa, assim como os pratos Claire Feuerheerd trazia na memória das suas viagens.
Hoje, é Pedro Cardoso, o jovem chef que trabalhou, durante uma década, no restaurante do Aquapura Douro Valley, actual Six Senses Douro Valley, quem está na cozinha, desta feita, do restaurante Cozinha da Clara de matriz portuguesa e a aposta forte nos produtos locais e sazonais – como a sopa de cebola com cruciante de moira e fio de azeite, o tradicional cabrito assado, batata e grelos, o lombelo de porco com milhos transmontanos e ervilhas de quebrar ou o polvo grelhado, migas de brócolos e molho de pimentos –, complementada com o receituário da avó Clara. Na sala está Pedro Esteves cujo currículo integra também o Aquapura Douro Valley.
Durante a tarde, o chef Pedro Cardoso dá azo à carta de petiscos, onde queijos nacionais e enchidos regionais constam no alinhamento preenhido pelas asinhas de frango picantes, os bolinhos de bacalhau da Clara, a salada de polvo com pimentos ou a esferas de alheira recheadas com queijo da Serra, entre outros.
A Cozinha da Clara é, em simultâneo, um espaço de partilha em pleno Douro com a Mesa da Clara, com início marcado para as 19.30 horas, em redor da qual se faz a degustação de um menu de três pratos (35€ por pessoa, sem vinhos). Para breve está prevista a Sugestão do Dia, com o propósito de dar a conhecer os sabores do Douro, sobretudo, porque há hóspedes com estadias prolongadas. No alinhamento das propostas estão os programas personalizados com a visita à adega secular, prova de vinhos e almoço (entre os 45€ e os 60€ por pessoa), assim como o que inclui alojamento e utilização da nova piscina da Quinta de La Rosa para um momento especial a dois ou em família.
A companhia de Baco faz-se com deus Baco
O desfile de vinhos à prova e uma boa nova da Quinta de la Rosa a constar, em breve, na Mutante
Já a carta de vinhos da Cozinha da Clara foi desenhada pelo enólogo da casa há 15 anos, Jorge Moreira. Com destaque para os vinhos da Quinta de la Rosa a juntar ao Passagem, o néctar de Baco que Sophia Bergqvist e Jorge Moreia produzem na Quinta das Bandeiras, no Douro Superior, passando pelos Poeira, da Quinta do Poeira, em Provesende, no vale do Pinhão, propriedade do enólogo, terminando em vinhos com um significado especial para o homem que se dedica à enologia da casa.
Uma casa onde Jorge Moreira garante fazer vinhos sem compromisso, como La Rosa rosé 2016 posto à prova no repasto de apresentação da Cozinha da Clara, com a terrina de leitão, cogumelos e gomos de laranja, seguido de um La Rosa Reserva branco 2016, “um vinho das uvas das zonas mais altas e mais frescas”, esclarece o enólogo, feito a partir das castas Viosinho, Rabigato, Gouveio, Códega do Larinho e Arinto, escolhido para acompanhar a chamuça de sardinha, compota de pimentos vermelhos e mescla de alfaces.
Tim Grande Reserva 2015 (Viosinho, Gouveio e Arinto), foi o senhor que se seguiu lado-a-lado com creme de couve-flor, salmonete braseado, amêndoa tostada e azeite de marisco e é um vinho-homenagem ao pai de Sophia Bergqvist, mas “que foge um pouco ao perfil de um vinho branco do Douro, com uma acidez marcante e a evoluir nos próximos dez, vinte anos” e “vai ‘contar’ histórias como o pais de Sophie já nos habituou”, continua o enólogo.
Corvina, caldeirada e molho de peixe foi servida com La Rosa Reserva branco 2012
Novos momentos, outros vinhos, como o La Rosa Reserva branco 2012 (Viosinho, Rabigato, Gouveio e Códega do Larinho), “muito mais linear, com mais acidez e maior mineralidade, contra a exuberância e a doçura do 2011” teve a corvina, caldeirada e molho de peixe como par.
O La Rosa Reserva tinto 2007, ano cujos vinhos “são de uma qualidade excepcional”, mostrou o quanto vale com o tornedó de vitela, milhos transmontanos e molho feito com Vinho do Porto.
A emblemática vinha do Vale do Inferno
O mesmo desafio faz-se com Vale do Inferno Grande Reserva 2014, um monocasta feito a partir de Touriga Nacional e a terceira edição desta referência vínica produzida com uvas da vinha Vale do Inferno, cujos socalcos são sustentados por muros muito altos construídos pelo bisavô de Sophia Bergqvist, Albert Feuerheerd, ainda antes da I Guerra Mundial – em 20015, ou seja, cerca de três anos após a entrada de Jorge Moreira no departamento de enologia da Quinta de la Rosa, a vinha foi arrancada e plantada de novo, mas “tudo foi feito com paciência, como em tudo no Douro”, acrescenta Sophia Bergqvist, portanto, “a nova edição é uma victória autêntica de viticultura no Douro”, até porque “seria impensável que, em quase nove anos, tivéssemos uma vinha com este potencial”, continua a nossa anfitriã a respeito do Vale do Inferno Grande Reserva 2014.
Para terminar, a sobremesa – torta de abóbora com pasta de queijo e lima, e gelado de nós – foi acompanhada por La Rosa Vintage 1960, o ano do nascimento de Sophia Bergqvist, trazido a cave privada da família e produzido por Claire Feuerheerd.
A Cozinha da Clara abre as portas entre as 13 às 15 horas e entre as 19 e as 22 ou 22.30 horas (em função da época do ano) e a reserva pode ser feita através do 254 732 254 ou de bookings@quintadelarosa.com.
O presente de baptizado de Clarie Feuerheerd
Da varanda de um dos quartos…
Em 1906, a avó de Sophia Bergqvist recebe a Quinta de la Rosa no dia do seu baptizado. Entre as décadas de 1950’ e 1960’, Clarie Feuerheerd “vivia no Douro quando ainda não vivia aqui ninguém”, afirma a nossa anfitriã, a gestora desta propriedade duriense, relembrando a sua infância na mais antiga região demarcada do mundo, a mesma infância em que já existia a casa particular da família, “a alma da la Rosa” e testemunho de uma história marcada também pela crise que afectou o Douro entre 1930 e 1980, década em que Sophia Bergqvist desafiou o pai, Tim Bergqvist, a produzir Vinho do Porto com as uvas que vendiam para as outras casas durienses. “Fomos os primeiros a fazer vinho de mesa, do Douro, da quinta e a comercializar”, com o objectivo de dinamizar e potenciar o reconhecimento da Quinta de la Rosa.
Na mesma altura, um dos quartos da casa de família passou a ser alugado, para pagar à cozinheira, Maria da Conceição. Desde então, o negócio prosperou e, hoje, a Quinta de la Rosa é um convite para conhecer melhor o Douro.
A nova piscina da propriedade e a vista para o Douro vinhateiro
Afinal, “o mundo mudou completamente! O Douro mudou”, di-lo olhando para as janelas rasgadas, dois quadros vivos num espaço convertido em loja e sala de provas da Quinta de la Rosa, localizado sobre o restaurante, onde predomina o material “orgânico e natural” da região, segundo António Belém Lima. “Uma sala centrada toda ela no vinho”, daí o tom escuro do xisto, “para trazer a paisagem para dentro”, como se dentro de uma caixa estivéssemos, o qual serve para contrabalançar com a pedra branca no espaço onde estão dispostas as garrafas com as colheitas da quinta. “Um silêncio visual” mais uma vez preponderante no que concerne à acústica, explica o arquitecto. E um cartão de visita ao Douro.
Agora é ir e desfrutar. Boa viagem e bom apetite! •