Mais para o interior do distrito, o porco é protagonista no prato, entre os mais variados produtos regionais, com destaque para o clássico da Serra da Estrela, as pêras da variedadeSão Bartolomeu e Dão no copo, com a primazia das castas típicas.
Meruge, freguesia do concelho de Oliveira do Hospital, é conhecida como a terra do porco. Eis o protagonista da Feira do Porco e do Enchido, certame agendado para o segundo fim-de-semana de Novembro, no sítio de sempre. Onde? Na Lage Grande, nome atribuído ao enorme afloramento granítico de Meruge, onde a Capela de São Sebastião, no lado Nascente, compõe o ramalhete.
A prova de que a tradição anda de mão em mão ou como se fazem os enchidos
A finalidade consiste em exibir diferentes raças e promover a arte de saber fazer os enchidos. A ancestralidade deste ofício, passada de mão em mão, está na ponta dos dedos de Vanessa Pinheiro, de 26 anos. Pá e barriga de porco – entre 150 a 200 gramas –, alho, pimentão doce, sal e piri-piri.
Deixa-se a marinar durante dois dias. Pega-se na tripa natural e, com a destreza e a calma indispensáveis, executa-se esta tarefa artesanal. Segue-se o fumeiro, onde a chouriça permanece entre três a quatro dias. “O tipo de lenha usada são a de carvalho e de oliveira, para as chouriças não ficarem negas”, adverte Vanessa Pinheiro.
Vanessa Pinheiro, de 26 anos, preserva o saber de outros tempos
A experiência decorre no antigo forno comunitário, recuperado em 1999 e aberto ao público mediante pedido feito na Junta de Freguesia de Meruge, que, em parceria com a Associação de Desenvolvimento Social e Cultural do Vale do Cobral, organiza, em Setembro, o tradicional festejo do “Ciclo do Pão” nesta terra localizada no termo do distrito de Coimbra a atravessada pelo Cobral. O rio, afluente do Rio Mondego, serve de cenário à Casa do Bóco, um antigo morgado localizada perto de São Romão e com vista para a Serra da Estrela, no vizinho distrito da Guarda.
A mesa está posta no terraço da Casa do Bóco
Feita em pedra, à semelhança das casas antigas das vilas, aldeias e lugares de tempos distantes, a histórica Casa do Bóco é, desde a década de 1980, turismo em espaço rural. A ideia, implementada por Maria da Conceição Antunes perpetua, agora, nas mãos do filho Francisco Antunes, que remete para a descendência, neste caso, o filho com o mesmo nome. Hoje, este alojamento local, constituído por quatro apartamentos e complementada por outra habitação, com três outros apartamentos
O borrego assado, a truta, a pêra-passa, o figo e o Queijo da Serra DOP ficam-se pelas entradas
Os produtos da região, são pretexto para o chef João Quaresma mostrar os seus dotes culinários. Embaixador do Queijo da Serra da Estrela DOP e do Queijo do Rabaçal DOP, no âmbito de Região de Coimbra – Região Europeia de Gastronomia 2021, iniciou esta viagem pelos sabores de Oliveira do Hospital.
Croquete de borrego assado, paste de Queijo da Serra da Estrela DOP com pêra-passa – da variedade São Bartolomeu, cultivada em Oliveira do Hospital, cortada a preceito, seca ao sol e espalmada, da Produtos do Campo, de Sílvia Santos –, truta do Rio Alva – outro afluente do Mondego – recheada com presunto, figos e do Queijo da Serra da Estrela DOP, estrearam o menu de homenagem à terra.
É precisamente sobre este concelho que incide o OH – Centro de Cultura e Tradição – Associação para a Promoção e Divulgação de Oliveira do Hospital, que reúne, para já, oito pequenos produtores, “todas mulheres”. Fundada em Julho de 2021, esta entidade tem como objectivo centrar-se “no respeito pelos sabores tradicionais e no produto de excelência”, explica Paula Frade, fundadora e investigadora na área dos patrimónios alimentares, dando como exemplo o bolo finto ou as cavacas da Aldeia das Dez, entre outras receitas tradicionais que estavam a desaparecer.
O leite deovelha bordaleira está na base deste produto
Representante da quarta geração de de pastores e queijeiras, Paula Lameiras preserva este seu legado relacionado com a produção de Queijo da Serra da Estrela DOP, em Vila Franca da Beira. Criadora de ovelha bordaleira – tem mais de cem cabeças – e produtora de queijo, garante que os seus produtos “são feitos com leite do meu rebanho”. A tradição continua preservada: “estamos a relembrar o queijo da serra velho, porque, antigamente, os homens levavam um bocado de queijo no bolso, quando iam para a serra.” O queijo de cura prolongada e o queijo da serra velho são, por isso, apostas de Paula Lameiras.
Paula Lameiras, rosto da Queijaria Lameiras, chef João Quaresma, embaixador do Queijo da Serra da Estrela DOP e do Queijo do Rabaçal DOP, Paula Frade, fundadora daOH – Centro de Cultura e Tradição – Associação para a Promoção e Divulgação de Oliveira do Hospital, e Elisa Lobo, a enóloga daFreire Lobo Wines
Porque o queijo acompanha o vinho na perfeição – ou vice-versa –, está na altura de falar sobre o “Vigno” de Freire Lobo, de Oliveira do Hospital, na Região Demarcada do Dão. O ano de 2010 marcou o início deste produtor, que, ao fim de quatro anos, engarrafou o seu primeiro vinho feito a partir das uvas tintas das suas vinhas – uma em Oliveira do Hospital, localizada a 600 metros de altitude, na sub-região do Alva, e outra em Santa Comba, Seia, com cerca de 500 metros de altitude – onde os herbicidas foram postos de parte.
“As ovelhas entram em Novembro para comer as ervas e ali ficam até finais de Fevereiro”, conta Elisa Lobo, a enóloga deste negócio de família. Volvidos três anos, sai, para o mercado, o primeiro branco. As boas novas vêm a caminho, desta feita, com um field blend da colheita de 2021, feito a partir de castas vindimadas em vinhas velhas.
As castas Touriga Nacional, Jaen e Alfrocheiro ou o Dão em garrafa
À mesa, estiveram Freire Lobo Vigno branco 2017, feito a partir das variedades de uva Encruzado, Bical e Cercial, que harmonizou particularmente bem com o queijo, a truta e o croquete de borrego assado, graças às notas cítricas e à acidez, que permitiram “cortar” com a gordura das entradas, seguindo a sopa serrana, cuja batata foi minuciosamente esmagada com um garfo, como se fazia antigamente.
Freire Lobo Vigno tinto 2017, elaborado com as castas Touriga Nacional, Jaen e Alfrocheiro, um vinho que combina com pratos de carne assada no forno e teve o arroz de carne e enchidos, na harmonização. “Nós, aqui no Dão, dizemos que são vinhos que precisam de tempo”, defende Elisa Lobo, daí ter sido seleccionados, nesta altura, para degustar de forma tão prazerosa.