“No Wish, faço uma cozinha de produto” / Chef António Vieira

Abriu portas há meio ano e, desde então, anda de boca em boca pela cidade do Porto, mas não só. Eis o Wish Restaurante & Sushi, o spot que deu um novo alento ao largo da igreja da Foz e já uma referência no roteiro gastronómico a norte.

Os chapéus são uma das peças decorativas levadas pelas mãos de Paulo Lobo

António Vieira é o chef. Liliana Alho denota uma apetência nata para a escolha dos vinhos. E ambos deram corda ao tempo, para que o tempo lhes concretizasse um desejo até ao momento em que encontraram o lugar perfeito para mais um projeto a dois, o Wish Restaurante & Sushi que, em setembro de 2015, abriu as portas da casa amarela, mesmo em frente à igreja de São João Batista, na Foz Velha, no Porto, com uma elegante sala dominada pelos tons bege, areia e verde, com os espelhos em destaque, e os chapéus, entre outras peças, que nos remetem para a Hats & Cats, uma das lojas do designer de interiores Paulo Lobo (leia aqui a entrevista), na Invicta, que assinou os interiores. O nome comprova esse mesmo desejo, que representa uma cozinha dicotómica – japonesa e mediterrânica –, a qual se converge em alguns momentos da carta. Vamos conhecer o chef?

António Vieira, 45 anos, natural Vila Nova de Gaia, frequentou o curso formação profissional de cozinha, em 1989 e, desde então, deu azo a um roteiro fomentado na área da gastronomia.

Porque entrou o chef António Vieira, definitivamente, na cozinha?
Em casa já me aventurava na cozinha e não fazia a mínima ideia de que seria este o meu percurso e que iria ter esta dimensão. Aconteceu naquela fase em que não sabia o que fazer na vida – na altura não havia a preparação que há agora e o meu tempo de escola não foi aproveitado como devia, porque não gostava muito, por isso fiz o exame de aptidão e entrei no o curso formação profissional, que durou seis, sete meses, em 1989. O período inicial foi muito rápido entre estágios e o primeiro emprego, que foi no hotel Solverde, na Granja, uma quinta que ainda se mantém e, depois, andei entre hotéis e restaurantes; trabalhei, durante 17 anos, para o Vasco Mourão. Abri as casas dele quase todas – o Cafeína, o Oriental, o Trinca Espinhas, o Café na Praça… Primeiro abri na praia da Luz com ele, depois foi o Café na Praça, seguido do Trinca Espinhas, em Matosinhos, e o Oriental. Entretanto fui desafiado para o Shis, pelo [Ricardo] Campos Costa, o qual se manteve durante sete anos, vindo a ter o final trágico que é de conhecimento público. Foi uma machadada enorme na vida das pessoas que trabalhavam lá. Durante um ano e meio estive a dar apoio ao restaurante BH Foz, enquanto me preparava para abrir um restaurante meu.

Os tons bege, areia e verde entram na paleta de tons que desfila na sala luminosa do restaurante

O Wish era mesmo um desejo?
Era um desejo tão grande que não sabíamos que nome lhe dar. O nome veio na sequência do acidente com o anterior espaço e, quando temos espaços como estes, criamos amizades. Houve um dia em que estávamos a fazer um serviço de cozinha em casa de um cliente nosso, que disse que tínhamos de ter um espaço nosso e era giro colocarmos o nome ‘Wish’. O nome ficou no ar, apesar de, no momento, não sabermos muito bem se íamos ter um projeto nosso. Quando começamos a construir o nosso projeto pedimos para fazer uma imagem para este nome. E, durante um ano, com o nome à espera de um espaço, andámos à procura de um lugar para ele.

Até surgir a oportunidade de vir para aqui.
Este espaço foi falado já depois do referido acidente e, na altura, eu estava aficcionado pela proximidade do mar, que traz clientes. Quer queiramos, quer não, a paisagem é uma mais-valia para um espaço e, hoje em dia, a cozinha não se faz só de boa comida. Não vamos comer a um restaurante só porque vamos comer bem; é preciso que haja conforto e que as pessoas se sintam bem. Mesmo quando se vai a um restaurante por causa do menu executivo, ao contrário do que acontecia antigamente. Ou seja, além da gastronomia, há o conforto, a envolvência, o som dentro do próprio restaurante, a música, que é para preencher espaços…

O detalhe e o requinte andam a par e passo em cada recanto do Wish

Foi por isso que elegeu Paulo Lobo?
Quando avancei com o projeto, achei que deveria ter aquela linha pela qual comecei e a forma de trabalhar do Paulo Lobo encaixa no perfil do meu trabalho. Trata-se, portanto, de um casamento de duas componentes, pois a minha cozinha liga bem com a decoração dele, e nota-se que ele aposta sempre num projeto vencedor, ou seja, em que sabe que tudo vai funcionar, o que me dá segurança.

Carpaccio de robalo selvagem e cogumelos, rúcula, parmesão e vinagrete trufado, o início de um repasto que se revelou uma muito boa surpresa

Fiquemos, agora, pela cozinha. Como a define?
No Wish, faço uma cozinha de produto. Não é de autor nem de fusão, mas sim de produto. Vamos buscar o melhor produto possível, trabalhá-lo o menos possível e apresentá-lo da melhor forma possível. Acho que introduzir demasiado a técnica na cozinha – que tem a sua beleza e encanto –, acaba por retirar algum paladar e aumenta o trabalho no que toca aos custos. E, hoje em dia – volto a dizer o mesmo – temos de fazer uma empresa tem rentável, pelo que o enfoque deve ser global. É bonito fazermos melhor e fazer pratos mais trabalhados com técnicas diferentes mas, às vezes, não é compatível ou não temos clientes que consumam o produto.

Cogumelos selvagens com escalope de foie gras grelhado e ovo cozinhado a baixa temperatura e trufa, uma rima incondicional com os dias frios infindáveis e com o palato conquistado à primeira

Como é feita a gestão no Wish?
A gestão inicial é feita a partir das fichas técnicas de todos os produtos e há um controlo diário do que entra e do desperdício que existe na cozinha. Para mim é mais fácil, porque estou cá todos os dias e acabo por ser eu quem recebe a mercadoria, o que não é fácil quando começamos a pensar que temos de delegar. Somos cozinheiros-galinhas, que queremos ver tudo e estar em cima de tudo. Afinal, o Wish é como um filho nosso e só tem meio ano, além disso começamos a aperceber-nos de que já não temos a mesma energia que tínhamos há dez anos.

Em que altura entra em cena a cozinha japonesa na vida do chef?
Quando gostamos de cozinha, acho que somos sensíveis ao palato, por isso é normal que fiquemos marcados por alguns sabores diferentes. Temos sempre a intenção de procurar mais, de procurar o genuíno, e o japonês tem muito isso – a perfeição, o rigor. Portanto somos, à vezes, cativados, pelo que é impossível de não se gostar. Não quer dizer que isso aconteça com o sushi, até porque o primeiro impacto que tive com o sushi foi negativo. Na primeira abordagem, ou seja, quando comecei a perceber que tinha de provar peixe cru fique renitente. Disse que tinha de apanhar o comboio e sai no meio da aula.

Quando aconteceu esse episódio?
Aconteceu quando estava a fazer a abertura para o Oriental, em que fazia uma viagem de seis horas – ia para Lisboa de comboio – para ter duas horas de formação em workshops de cozinha, porque não havia nada do género no Porto. Na altura, o sushi estava a começar a aparecer, tanto que, no Porto, o Oriental foi o segundo restaurante do Porto com sushi.

Porém, a relação com o sushi mudou radicalmente.
Sim. Percebemos que não somos diferentes dos outros e, agora, é impossível não comer. E já somos mais esquisitos, porque na altura é que era bom para nós, com as tenpuras… hoje vamos buscar os produtos novos e o peixe cru, como o robalo de mar, os carapaus, as sardinhas. O que inicialmente nos fazia mais confusão é, neste momento, mais saboroso.

Um prato a anotar e a repetir: Bife de atum com teryaki balsâmico e tagliatelli de legumes

Portanto, ter o mar mesmo aqui ao lado é um privilégio.
Tenho a vantagem de morar em Angeiras e eu trabalho muito com o mercado local, por isso, trabalho cá muito o peixe da época, embora haja os que sejam mais complicados de trabalhar – não digo que não sejam bons, mas por não serem rentáveis, porque têm muita espinha, o que confere um desperdício muito grande, daí termos de colocar isso na balança, porque o restaurante é um negócio e o negócio tem de ser rentável.

A maioria do peixe que entra no Wish é da nossa costa?
Usamos, ao máximo, o peixe da nossa costa e o salmão, porque é o que as pessoas mais comem e, infelizmente, não podemos capturar o salmão selvagem que há cá.

Quais são as peças que compõem a lista de preferências dos apreciadores de cozinha japonesa?
Quando abrimos um espaço, somos nós que definimos o nosso cliente através de um conjunto de vários factores, desde a apresentação do espaço ao atendimento, passando pelos preços que praticamos. Temos muitos espaços de sushi e, por isso, há pessoas que o comem por ser uma moda, o que, às vezes, faz com que se entre num patamar em que se estraga o que se está a fazer. Eu tento ser o mais tradicional possível, mas com alguma inovação, ou seja, há pessoas que gostam de ver algo novo, mais criativo e nós tentamos que o sabor se mantenha no prato, por isso um sushi não deve saber demasiado a queijo. No entanto, os nossos clientes gostam mais do sashimi, porque já não querem muitos queijos nem molhos, nem tanto arroz.

O entrecôte galego maturado com batata grelhada e pimentos assados encheu as medidas e comprovou, uma vez mais, uma cozinha de sabor

E da mediterrânica, que pratos são servidos, mais vezes à mesa?
Tenho uma carta muito grande que dá muito trabalho e faço as mudanças mediante o produto que vai aparecendo no mercado. Tendencialmente, o que acontece é os clientes escolherem o seu prato, porque já não procuram outro, por isso há que criar interação com o cliente, como fazia no Shis, mas eu faço exatamente a mesmo coisa quando vou a um restaurante.

Como é feita a carta?
Fazemos, tendencialmente, o que nós gostamos. É muito difícil colocar na carta algo de que não se goste – não gosto de coco, por isso, não coloco pratos que levem coco, embora haja, pontualmente, uma sobremesa com coco mas, dificilmente, isso acontece, porque a prova passa por mim, o que se torna complicado. Ao fazermos o que gostamos, fica tudo tão bom que se vai notar à mesa. O sushi é, por si, espetacular e usamos também ingredientes do sushi na cozinha mediterrânica.

Quais os pratos que comprovam essa ligação?
Usamos tenpuras e tatakis na cozinha, e o bife de atum com molho teryaki é um dos pratos que faz essa ligação, assim como os legumes que acompanham as carnes, os quais são salteados com molho de soja. Usamos também algas japonesas em pratos do dia. Não é uma ligação obrigatória, mas uma ligação que casa bem.

E os vinhos têm também uma presença marcante no Wish.
A Liliana e eu temos feito um trabalho em conjunto neste campo e em separado também, na medida em que os pratos não têm um vinho específico, sendo a harmonização feita na sala. Há vinhos cujas castas são comuns – têm mais frescura, ou menos frescura, têm mais madeira, ou menos madeira – e, ao conversarmos com o cliente, apercebemo-nos do que o cliente gosta mais e, assim, tentamos ir ao encontro do seu paladar – acontece quando lhe é pedido ou quando aceita uma sugestão. No entanto, o nosso restaurante não tem um conceito vínico.

E porque o doce nunca amargou, sobretudo quando as medidas do açúcar são q.b., António Vieira preparou um guloso mil folhas de banana acompanhado por caramelo crocante que fez as delícias de miúdos e graúdos, numa mesa marcada também pela presença de Baco, desta feita, pelas mãos de Liliana Alho, a quem coube a tarefa de harmonização. Desde as boas vindas ao final do repasto, com um roteiro vínico por quatro regiões distintas do país, iniciado pela Bairrada, com o espumante Quinta de Cabriz Blanc de Noir, seguido da Região de Vinhos Verdes, com um Royal Palmeira Loureiro branco de 2009, feito a partir da casta Loureiro, e da Região de Lisboa, com Monte d’Oiro Lybra tinto 2012, feito a partir da casta Syrah, terminando na região do Douro, com um Favaios de 2009.

E não são poucos os clientes que solicitam a sugestão da co-fundadora do Wish sendo, por vezes, surpreendidos com uma garrafa de rótulo tapado, para uma “prova” às cegas. “Quando pedem trazemos, normalmente, estes vinhos que as pessoas não bebem e ficam surpreendidos”, contou referindo-se ao Royal Palmeira Loureiro branco de 2009.

Por outro lado, faz questão de salientar a aposta na formação da equipa, que se revelou cortês e primada pela simpatia, composta maioritariamente por jovens, que sabem bem servir.

Mas, interrompamos, pois há outra iguaria que o chef preparou: Fondant de chocolate com frutos vermelhos. A cereja no topo do bolo.

O Wish Restaurante & Sushi, no n.º 105 do largo da igreja da Foz, está aberto de domingo a quinta, das 12 horas à meia-noite, e à sexta e sábado, das 12 à uma da manhã.

Já concretizou o seu sonho para ir aqui?

Bom apetite! •

+ Wish Restaurante & Sushi
© Fotografia: João Pedro Rato
+ Agradecemos à DS o apoio na realização da viagem

+ Informações:
Wish Restaurante & Sushi Menu, Reviews, Photos, Location and Info - Zomato

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