Qualidade, criatividade, preço. Qual o futuro da restauração? / Chef Vincent Farges

As três décadas dedicadas à cozinha confere ao chef francês a experiência depurada reflectida em cada prato, agora, no Epur em Casa, o serviço de entrega ao domicílio que lhe permite dar azo à imaginação no que à combinação de sabores e texturas diz respeito, e a “proporcionar bons momentos de culinária em casa de meus clientes”.

A estreia em Maio de 2018 do Epur, restaurante localizado no Chiado lisboeta, marcou o regresso do chef Vincent Farges a Portugal, país que passou a conhecer vinte anos antes, em 1998, quando veio para a Fortaleza do Guincho a convite do chef Antoine Westermann. Ao final de cerca de 18 meses, viajou além fronteiras, tendo regressado, ao mesmo restaurante, em 2005, desta vez, como chef executivo, função que desempenhou por uma década a somar a uma mão cheia de saber apreendido em restaurantes franceses e à distinção de “Chef de L’avenir” atribuído, em Março de 2013, pela Académie Internationale de la Gastronomie.

A que se dedicou a fazer durante estes últimos meses?
Em termos de trabalho, continuo a ocupar o tempo com o serviço de take away que me permite continuar activo e, ao mesmo tempo, continuo de proporcionar bons momentos de culinária em casa de meus clientes.
Do lado mais pessoal, passo mais tempo em casa e consigo tratar das coisas que sempre deixei para trás por falta de tempo.

Houve tempo para pôr em prática o que anteriormente lhe era impossível?
 Devido à situação e às circunstâncias nas quais nós estamos a viver, diria que não faço nada mais do que já fazia antes. O que faço mais, sim, é estar presente para meu filho. Com essa profissão, geralmente, temos pouco tempo para eles.

Se lhe pedisse para falar sobre o seu percurso profissional, o que diria acerca destes 12 meses?
É muito caótico! Abre, fecha, abre, fecha! Vivemos um período muito complicado, que ficará gravado durante muitos anos. Infelizmente, tive de sacrificar a equipa, para poder manter o restaurante em funcionamento. Portanto, tive de assumir as posições de cada um que faltava em conjunto com a restante equipa. É uma tarefa difícil e acreditem que nem sempre é fácil motivar as equipas nestas condições.

Está a desenvolver pratos/criações para a nova temporada que se avizinha? Pode levantar o véu?
Para ser honesto, nem sequer comecei a pensar nisso. Para já, não sabemos realmente quando vamos reabrir, por isso posso desenvolver um prato e quando abrir já não será a época dos produtos utilizados para esse prato. Hei-de pensar nisto quando tiver mais certeza.

Que novidades pondera incluir nos menus de degustação e na carta aquando da reabertura do Epur?
Já tinha “afinado” o conceito da carta/menu do restaurante quando reabrimos em julho 2020, para aliviar o serviço e sermos mais rápidos, e cumprir as devidas restrições horárias decretadas pelo governo. Portanto, vou elaborar um menu nas mesmas condições, talvez ainda mais “apertado”.

Vai implementar mudanças na sua cozinha, no sentido de abranger um público mais lato ou a estratégia é cingir o serviço a um grupo mais restrito de clientes? Como explica esta decisão?
Não vou mudar o conceito do restaurante, apesar de que podia ser mais sensato, mas penso que podemos continuar a trabalhar seguindo a nossa linha e estratégia, reinventando, ao mesmo tempo, para conseguir ter um público mais local e nacional enquanto o turismo fica na estaca zero.

Qualidade. Criatividade. Preço. Como é a sua cozinha e como vê o futuro do sector da restauração a partir destas três palavras?
Essas três palavras são complementares a qualquer tipo de cozinha. A minha está definida assim. Qualidade sim, porque escolho os melhores produtos na melhor altura deles e optar pela qualidade da matéria-prima é o mais importante. Criatividade também, pois penso que a minha cozinha, com tendência francesa – claro – continua de ser criativa e sempre com um toque “old school”. Por fim, o preço. Obviamente que o preço da qualidade não se discute.
Agora, o futuro da restauração – não creio que iremos voltar a trabalhar normalmente antes de 2023, no mínimo. Portanto, vai ser muito difícil, a meu ver, continuar a manter restaurantes fine dining cheios e financeiramente saudáveis.

Quão desafiante se tornou este último ano no percurso do chef?
Vivo o período mais complicado da minha vida, como muitos colegas, de certeza. Desafiante, foi mesmo, batalhar sempre sem baixar os braços, sem render as armas, mas sem nunca saber contra o que batalhar! Este ano tivemos mesmo de elaborar planos semana a semana, elaborar uma estratégia de operação para manter o nível que temos, mas com metade dos custos.
Passamos por momentos muito complicados e agradeço à minha equipa pelo apoio e pela dedicação que demostraram durante esse período. Sem eles, já tinha fechado a porta há muito.

+ Vincent Farges

+ Epur  

© Fotografia: João Pedro Rato

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